“Caim”, romance de José Saramago, é uma crítica sobre as narrativas contadas nos cinco primeiros livros bíblicos. Neste, Saramago revela que há muitas contradições entre Deus e a sua criação,  e utiliza aquele que cometeu o primeiro assassinato da história da mitologia judaico-cristã, Caim,  para expor a sua visão sobre Deus. No romance, Caim não é aquele que aceita o seu destino sem protestar. Este se revolta contra o seu criador Deus, que o questiona e que o desafia.
Após  matar o seu irmão Abel, Caim é condenado a vagar pelo deserto e leva consigo um sinal, que o fará lembrar sempre do seu autor a cada episódio da história contada desde Abraão. Indignado com a atenção que Deus dedicava ao seu predileto Abel, corroendo-se de inveja e ódio, Caim leva consigo outro sinal: A de que o homem continua só, sem rumo, sem esperança. Caim é o personagem perfeito para Saramago fazer as suas críticas a Deus e as religiões.
Caim não compreendia porque Deus preferia as oferendas de um pastor Abel,  atividade que no entendimento de Caim não tinha valor algum, invés das suas oferendas que obtinha com tanto sacrifício lavrando a terra com as próprias mãos. O que pretendia Deus com esta atitude? Para Caim Deus, sem motivos alguns, o desprezava.
“[…] que fizeste com teu irmão, perguntou Deus. Era eu o guarda-costas de meu irmão? Mataste-o, acusou Deus.  Assim é,   mas o primeiro culpado és  tu, eu daria a  vida pela vida dele se tu não tivesses destruído a minha. Quis pôr-te a prova, justificou Deus. E tu quem és para pores à  prova o que tu mesmo criaste?  Sou o dono soberano de todas as coisas, e de todos os seres, dirás. Mas não  de mim e nem da minha liberdade.”
Caim perambula pelo deserto e após longos dias sem rumo, foi parar nos braços da rainha Lilith, esposa do resignado rei Noah, a qual se entrega as volúpias daquela mulher feita para o prazer e que se intitulava a mãe de todas as mulheres. Em algum momento Caim fala para Lilith.
“…que nosso Deus o criador do céu e da terra, esta rematadamente
louco, Porque só um louco sem consciência dos seus atos admitiria ser o culpado direto da morte de centenas de milhares de pessoas e comportar – se depois como se nada tivesse sucedido, salvo, afinal, que não se trate de loucura, a involuntária, a autêntica, mas de pura e simples  maldade…”
Saramago faz de Caim uma espécie de navegador do tempo passando de uma época a outra. Caim sentiu o cheiro da carne em combustão de homens, mulheres e crianças vitimadas pelo  fogo de Deus que fez arder Sodoma e Gomorra;  viu com seus olhos caírem os muros de Jericó e não gostou de como Deus agiu;  foi também testemunha do acordo entre Deus e o Diabo divertindo-se com a terrível agonia de Job; esteve com Moisés no monte Sinai e este o ouviu, espantando, questionar Deus. Em tudo o que via, Caim tinha uma certeza: Deus se divertia com a sua criação. Ele não era um bom Deus.
Os anjos até que se esforçaram para convencer Caim de que não cabe aos homens julgar as ações de Deus:
“…Os desígnios de Deus são inescrutáveis, nem nós,  anjos, podemos penetrar em seus pensamentos. Caim irritado desabafa: Estou cansado desta  lengalenga de que os desígnios  do senhor são  inescrutáveis, Deus deveria ser transparente e límpido, como cristal no lugar desta continua assombração, deste constante medo. Enfim, Deus não  nos ama”. Atitude que causou a advertência dos anjos – “Cuidado Caim, falas de mais, o senhor está  a ouvir – te e tarde  ou cedo te castigará.” Ao que Caim respondeu – “O senhor não  ouve, o senhor é surdo, por toda a parte se lhe levantam súplicas, são  pobres, infelizes, desgraçados, todos a implorar o remédio que o mundo lhe negou, e o senhor vira – lhes as costas…”
O livro é  o julgamento das ações de Deus. Saramago é o juiz. Deus é o réu. Através de Caim, a testemunha,  o julgamento segue com muitas perguntas para quais não há respostas a não ser na negação da existência de um Deus pessoal.
Ao final Saramago sentencia e instrui o seu pupilo Caim a acabar com a esperança de Deus de criar uma nova raça humana para si. Da arca de Noé não sairá nenhuma mulher viva. Deus não mais brincará com os homens, pois estes não crescerão e não se multiplicarão.