As vezes decidir ler uma determinada obra somente pelo prefácio não é uma tarefa fácil. É muito comum haver decepções e perda de interesses logo no primeiro capítulo. As vezes o autor tem uma narrativa truncada, difícil, desconexa e confusa. Mas em dado momento tudo faz sentido, seja porque na realidade o leitor não estava preparado para a leitura do livro, ou porque o autor gosta mesmo de complicar e dá sentido a tudo em poucas páginas como fazem os novelistas.
Certo dia estava ouvindo um programa de rádio e a apresentadora, diante de um problema que envolvia relacionamento homem / mulher, citou um livro chamado a “A Alma Imoral”. Não foi a opinião da apresentadora que despertou em mim o interesse pelo livro. O meu encontro com ele foi obra do acaso. Meses antes do fato da rádio, uma vizinha estava se desfazendo dos seus livros e me deu alguns. Quem estava entre os livros recebidos? O livro de Nilton Bonder, A Alma Imoral. Ao olhar rapidamente o prefácio, não me interessei muito pelo conteúdo e coloquei-o na lista de espera de leitura. Porém ao ouvir a apresentadora falar do livro, fui tomado por uma vontade muito forte corri para lê-lo o mais rápido possível.
A minha opinião sobre o livro é que ele é fantástico e aprendi muito sobre minha alma e entendo agora que o meu corpo é o reflexo frágil daquilo que a minha alma representa. O conteúdo religioso do livro, embora importante, não foi o que mais me identifiquei, mas o fato do autor dar um significado a alma que até então eu não entendia e como esta se relaciona com o corpo.
Talvez leitores eruditos e não eruditos, vejam outros significados, mas eu acho que a proposta do autor é mesmo esta: fazer-nos olhar para nossa alma transgressora sem estar preso ao que é certo e o que é errado através de um corpo moldado pela sociedade que se contrapõe a alma, a alma imoral e transgressora.
“Toda moral, toda tradição, toda religião e toda a lei são produto do corpo moral, de um animal moral. E toda a sociedade está voltada para vestir a nudez do ser humano.”
Nilton Bonder
“O ser humano é talvez a maior metáfora da evolução, cuja a tarefa é transgredir algo estabelecido”
Nilton Bonder
Ao compreender a alma transgressora e sua relação com as tradições, religião e sociedade, percebi que viver é ser transgressor de tudo, principalmente de nós mesmos, para que certos valores se mantenham. Fiquei despido diante da minha alma transgressora e pude me ver mais fundo e com isso construir um processo maior de compreensão do “ser eu”. Bonder nos revela como o corpo é tão distinto da alma:
“A psicologia evolucionista aponta o corpo como o gerador da moralidade. É justamente para dar conta de seus interesses de preservação que a moralidade é engendrada. Esta moralidade é oposta às forças transgressoras da alma. Assim a alma vive do que a sociedade reconhece como imoral.”
Nilton Bonder
No capítulo “O certo que é errado e o errado que é certo” no ponto em que este propõe reflexões morais e religiosas, Bonder explica que não acreditar em Deus pode ser positivo quando desobedecido por uma causa puramente humana e repleta de amor ao próximo, uma reflexão de que os lados da mesma moeda podem trocar de valores, mas continuará sendo a mesma moeda.
Por exemplo. Para Bonder o fato de não se crer em Deus, pode produzir o efeito de se acreditar em Deus conforme ele descreve abaixo:
“Aqui temos uma questão que poderia ser traduzida da seguinte forma: Há alguma transgressão a crença em Deus que seja, em algumas condições, mais construtiva do que a própria manutenção desta crença?”
“Se uma pessoa carente pede auxílio a alguém que crê em Deus, este pode fazer uso de palavras piedosas como – tenha fé e deixe tudo nas mãos de Deus. No entanto, aquele que não crê tem de agir como se não houvesse ninguém mais no mundo a quem esta pessoa pudesse recorrer e, portanto, sente-se compelido a ajudá-la.”
Nilton Bonder
Nilton Bonder é rabino integrante da Congregação Judaica do Brasil. É doutor em literatura hebraica pela Jewish Theological Seminary.
“A função maior deste livro é refletir sobre essa última dimensão que vamos tentar compreender como verdadeiro sentido de conceito de ‘alma’. A ‘alma’, diferente da definição popular, seria nada mais que o componente consciente da necessidade de evolução, a parcela de nós capaz de romper com os padrões e com a moral. Sua natureza seria, portanto, transgressões e ‘imoral’, por não corroborar os interesses da moral.”
Nilton Bonder
Daniel Brandt
O livro é fantástico!