A maior parte das pessoas que acompanha os noticiários sobre as atrocidades perpetradas pelo grupo fundamentalista Estado Islâmico, repudia os atos cruéis e covardes com que este executa os seus prisioneiros e divulga na internet como forma de intimidação, tudo legitimada pelo que esses extremistas chamam de guerra santa. Da mesma forma causam repúdio, principalmente na cultura ocidental, as ações suicidas dos seus integrantes tirando a vida de centenas de pessoas ao explodirem os próprios corpos acreditando que os fins justificam os meios. É difícil entender e aceitar suas justificativas para tais atos.

Mas talvez ai esteja o problema: como lidar com algo que não se compreende? Seria necessária entender como pensam os muçulmanos extremistas e a partir da compreensão da história do povo árabe entender os reais motivos do ódio que o EI tem pelo ocidente, especificamente, os Estados Unidos. Esta é a proposta do Bernard Lewis, professor de estudos orientais na universidade de Princeton e especialista sobre o Islã, descreve em seu livro A Crise do Islã – Guerra Santa e Terror Profano.

Lewis busca entender a origem dos motivos que levam os radicais islâmicos a querer restaurar o califado, a matar os infiéis e apostatas. Vai além disso, ele revela que há motivos para as ações dos extremistas pelo menos do ponto de vista deles.

Diante dos horrores que nos apresentam diariamente sobre o mundo islâmico e a sua jihad, esta é a oportunidade de conhecer e entender os porquês destes conflitos milenares entre o ocidente e o oriente-médio.

No primeiro capítulo – Definindo o Islã, Lewis analisa a formação da religião islâmica no século VII, sua relação com o cristianismo, e as definições das leis que vão conduzir o povo árabe pelas mãos do profeta Maomé ao paraíso de Alah. Missão que Maomé cumpriu a risca.

“Quando morreu, em 632 d.C., sua missão espiritual e profética de trazer a palavra de Deus para a humanidade havia sido completada. ”

Fica evidente que há uma grande diferença na visão dos ocidentais sobre o que é o islamismo. É preciso entender os aspectos religiosos e políticos de um povo cujo os aspectos históricos estão tão enraizados a sua existência. Lewis reflete:

“Para os muçulmanos, o Alcorão é o único livro, revelado em um tempo determinado por um único homem, o profeta Maomé. Após intenso debate nos primeiros séculos do islã, foi adotado a doutrina que o Alcorão é, ele mesmo, incriado e eterno, divino e imutável. Isso se tornou um princípio central da fé.”

[…]Cristo foi crucificado, Moisés morreu sem entrar na terra prometida, e as crenças e condutas de seus seguidores religiosos ainda são profundamente influenciados pela memória desses fatos. Maomé triunfou em vida e morreu soberano e conquistador. ”

“Os povos muçulmanos, como todos os outros no mundo, são moldados por sua história, mas, ao contrário de alguns, são profundamente conscientes disso […] Para os muçulmanos, a história islâmica tem um importante significado religioso e também legal, dado que reflete a elaboração detalhada do propósito de Deus para sua comunidade – formada por aqueles que aceitam os ensinamentos do islã e obedecem a suas leis.”

No capítulo – A Casa da Guerra, é evidenciado para os muçulmanos que Deus determinou, através do seu mensageiro Maomé, que os seus seguidores defendessem a todo custo a sua casa. Para os muçulmanos, destruir os inimigos de Deus só seria possível se todos se lançassem na guerra santa, o jihad. O prêmio: butim em vida e o paraíso após a morte.

“Segundo as leis islâmicas, está de acordo com as escrituras fazer guerra contra quatro tipos de inimigos: infiéis, apóstatas, rebeldes e bandidos. “

Em algumas hadiths, tradições que tratam dos atos e palavras dos profetas, está claro a crença, a tradição e a disciplina dos seus soldados e porque estes se entregam a morte.

“-A jihad é sua obrigação sob qualquer comandante, seja ele divino ou iníquo.
-A picada de uma formiga causa mais dor a um mártir do que a ferida de uma arma, pois essa é mais bem-vinda para ele do que água fresca e doce em um dia quente de verão.
-Aprenda a atirar, pois o espaço entre o alvo e o arqueiro é um dos jardins do paraíso.
-O paraíso está à sombra de espada. “

Mas quem são os infiéis e qual a origem do ódio dos muçulmano contra este? No capítulo – De Cruzados a Imperialistas, Lewis revela que a luta dos muçulmanos contra o imperialismo não se inicia contra os americanos, isso é coisa atual, na realidade todo começa em de 1099 d.C., data em que os cruzados conquistaram Jerusalém.

“A grande contracruzada que acabaria por vencer e expulsar os cruzados não começou senão quase um século mais tarde. Sua causa imediata foram as atividades de um líder cruzado flibusteiro, Reinaldo de Châtillon, que dominou a fortaleza de Kerak, no sul atual Jordânia, entre 1176 e 1187 d.C., usando-a para lançar uma série de ataques-surpresa contra caravanas muçulmanas […]Durante o califado árabe medieval e, novamente, sob a dinastia persa e turca, o Império do islã era o mais rico, o mais poderoso, mais criativa e esclarecida região do mundo, e no decorrer da maior parte da Idade Média a cristandade esteve na defensiva. […]E veio então a mudança. O segundo sítio truco a Viena. Em 1683, terminou em fracasso total, seguindo por uma longa retirada – uma experiência totalmente nova para o exército otomano. “

A partir desta derrota, inicia-se a fase de domínio Inglês e Francês, seguido até a segunda guerra pela União Soviética e só depois pelos americanos.

O capítulo – Descobrindo a América, explica como Os Estados Unidos entraram no mundo islâmico. Segundo o autor, os árabes conheceram os norte-americanos de forma despretensiosa e pouca importância deram a este, isto logo após a independências dos Estados Unidos. Tudo passa a mudar a partir do livro que Sayyid Qutb escreveu sobre os hábitos americanos quando lá esteve em 1948.

“A estadia de Sayyid Qutb nos Estados Unidos parece ter sido um período crucial para o desenvolvimento de suas ideias a respeito das relações entre o islã e o mundo exterior e, mais particularmente, entre os próprios países muçulmanos. O Estado de Israel havia acabado de ser estabelecido, lutando e vencendo a primeira de uma série de guerras árabe-israelense para garantir sua sobrevivência. Naquela época, a humanidade estava tomando ciência da quase total destruição dos judeus na Europa nazista, e a opinião pública norte-americana, assim como a da maior parte do mundo, estava maciçamente do lado israelense… Sayyid Qutb ficou chocado com o nível de apoio na América ao que via como uma agressão selvagem dos judeus contra o islã, com a cumplicidade cristã.

[…]Mais reveladora ainda foi sua resposta escandalizada ao modo de vida norte-americano – principalmente em seus aspectos pecaminosos e degenerados e em seus hábitos -, ao que viu como promiscuidade sexual. Sayyid Qutb tomou como dado o contraste entre a espiritualidade oriental e o materialismo ocidental, e descreveu os Estados Unidos como uma forma particularmente extremada do último[…] ”

O autor acredita que as experiências do Sayyid podem ajudar a revelar alguns comportamentos padrões:

“Esse ponto de vista do ocidente e de seus costumes pode ajudar a explicar por que terroristas devotos vêem como alvos legítimos de seus ataques os salões de dança, boates e outros locais onde homens e mulheres jovens se encontram. “

Talvez, como o autor parece acreditar, o caminho para resolver o problema do EI seja mesmo um estudo profundo de um povo que durante muito tempo foi o mais importante, culto e temido no mundo antigo e medieval.

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