A MORTE DE DEUS NA CULTURA

A MORTE DE DEUS NA CULTURA

A morte de Deus na cultura. Na monumental obra Os Irmãos Karamazov de Dostoiévski, se havia a ausência de Deus, então a humanidade estava condenada a morte. Dostoiévski nos coloca a refletir sobre as consequências da ausência de Deus ao considerar ,na pele do Ivan, “se Deus estar morto, então tudo está permitido.”

Por que Deus pode estar morto como concluiu Dostoiévski? A resposta a esta pergunta talvez seja encontrada no livro do filósofo marxista Terry Eagleton, Morte de Deus na Cultura. Neste exame profundo do papel de Deus na cultura ocidental Eagleton analisa as consequências dos ideais do iluminismo, do idealismo, do romantismo, a crise da cultura na morte de Deus.

O leitor não encontrará neste livro um tratado sobre o ateísmo e uma convocação para a destruição da religião como normalmente ocorre entre os marxistas. Pelo contrário, é uma alerta da morte de um Deus e o surgimento de outro. Analisando as ideias de cada intelectual responsável de algum modo pelo deicídio, Eagleton sustenta que a preocupação dos pensadores estava além das questões da razão e que no fim era a religião que permeava todo a questão iluminista: “Já é um clichê da história intelectual que, embora o iluminismo se preocupasse muito com a ciência, a Natureza, a Razão, o progresso e a reconstrução social, o que mais perto trazia do coração era o tema que suscita – lhe mais hostilidade e indignação moral, a saber, a religião.”

Eagleton assevera ainda, citando Ernest Cassirer, que a questão da fé trazia certas preocupações para os iluministas, mas estes não eram particularmente antirreligiosos: “[…] O objetivo fundamental da (especialmente no iluminismo alemão) não é a dissolução da religião, mas a sua justificação e fundamentação transcendental.” e completa “o Peter Harrison sustenta que o próprio conceito de religião como sistema de práticas sociais é produto do iluminismo.”

O autor mostra que esses homens não eram verdadeiramente ateus, abrindo exceção apenas para Nietzsche mais adiante, mas que ele buscavam uma religião que pudesse ser reveladora para as massas e excitante para os intelectuais filósofos e que estes últimos deveriam ser o guardião da moral, aqueles ungidos para conduzir as almas das massas. Eagleton argumenta que: “Em grande medida, o projeto não era substituir o sobrenatural pelo natural, mas descartar uma fé bárbara e ignorante em favor de outra, racional e civilizada.” Acrescenta ainda que: “os pensadores do iluminismo não foram capazes, em sua maioria, de romper decididamente com uma visão de mundo religiosa, por mais que criticassem. “

Porém era necessária que as massas substituíssem Deus por outro Deus mais racional, daí surge a ideia da ‘dupla verdade’: “Segundo essa doutrina, o ceticismo dos educados precisa aprender a não perturbar a superstição do populacho. Precisa ser isolado das pessoas comuns, para não provocar perturbação política. Não pode haver um terreno comum entre as espécies mais racionais e mais bárbaras da fé religiosa. […] Era um estilo de pensamento por demais desprovido de recursos emocionais e imaginativos, excessivamente destituído de dimensão simbólica para fornecer a modernidade um meio seguro de autolegitimação. […] Não seria capaz de conquistar a adesão das massas, mais interessadas em consolação religiosa do que em harmonia cósmica… O Deus dos filósofos e o Deus das massas eram diferentes.”

Entretanto o autor faz um alerta sobre o significado de uma religião destituída de mitos: “Um mundo rigorosamente racional, capaz de funcionar sem a intervenção do Todo-Poderoso, dá origem ironicamente a um Deus arbitrário e irracional… Mas o culto do sentimento, ao expurgar a religião de seus dogmas mais rebarbativos, também ameaçava eviscerá-la e, com isso, diminuir sua força ideológica.”

Os Idealistas tiveram um importante papel na análise intelectual dos temas religiosos e o Todo-Poderoso. Eagleton explica que: “A ideologia é o lugar onde as proposições abstratas se infiltram na vida dos sentidos, os valores absolutos se projetam no tempo histórico, o contingente é imbuído de um ar de necessidade e a obrigação é alquimicamente transformada num sentimento de autorrealização. [..]Para que a filosofia tenha alguma influência sobre a multidão, é preciso que haja uma “religião dos sentidos”, na qual o poeta se torne o professor da humanidade’.”

Contudo, este é um caminho perigoso. Tivemos na história vários professores da humanidade à custa da vida de milhões de pessoas. A proposta é perigosa no sentido que o homem passa a ser este ser mitológico dando lugar ao culto da personalidade em nome da razão, em nome do cientificismo e da lógica social. Vejamos o que diz o autor: “Uma nova mitologia, amplamente disseminada nas massas, de modo algum haveria de se revelar inimiga da Razão. Pelo contrário, viria dotá-la de um corpo material muito necessário. Os elos rompidos entre os cidadãos, assim como a ameaçada aliança entre a Natureza e humanidade, poderiam ser restabelecidos pela partilha de imagem e crença. Ideias de círculos fechados e opiniões comuns, teorias elevadas e prática popular não mais estariam em confronto. O mito serviria como um tipo de religião deslocada, unindo o místico e o mundano, o padre (ou filósofo) e a laicidade (ou as pessoas comuns) numa ordem simbólica compartilhada. O abismo aberto pelo Iluminismo entre um pequeno círculo que vivia em função da ideia e o populacho que vivia pela imagem poderia assim ser superado.”

Talvez uma nova mitologia como proposta por Eagleton resolva. Mas Deus está morto? Se Deus morreu, não resta dúvida que os intelectuais de esquerda tiveram sua parcela de culpa. Rousseau, Voltaire, Montesquieu, Nietzsche, Sartre, Lukács, Gramsci e tantos outros mentores da nova ordem social criaram os meios para a degradação cultural da atualidade.

O povo não compreende a razão mas aceita a fé em Deus, a razão maior da sua existência. O povo não sabe que essa fé perdeu muito da sua originalidade. Surgi então uma nova forma de aceitar um Deus transmutado em princípios racionais-científicos, bem mais próximo do super-homem de Nietzsche. Sistematicamente, esta nova doutrina vem sendo inserida na cabeça das massas nas últimas décadas no intuito de matar não só Deus mas todos os valores morais, todas as instituições que prezam pela preservação dos costumes, da família, da nossa história em detrimento ao nascimento de um novo homem que ninguém sabe ao certo que futuro reserva-se a esse homem do futuro.

A despeito de que lado se esteja, esquerda ou direita, Eagleton alerta para o fato que Deus não morreu e não poderá morrer sem o fim do próprio homem. Fica aqui o alerta do próprio Eagleton, marxista, que talvez por conhecer bem os ideais comunistas, expressa em suas reflexões o futuro que nos aguarda sem um Deus:

“É possível matar por todos os motivos imagináveis, mas matar em escala espetacular é quase sempre consequência de ideias.”

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1 Comentário

  1. Interpreto que o autor analisa Deus como um mito necessário. Isso é pura hipocrisia, pois se é um mito, não existe. Portanto, estaria sugerindo que houvesse uma hipocrisia mundial para conduzir a massa ignara. Mas isso é pura falsidade, puro marxismo.