“As feias que me perdoem mas beleza é fundamental”. Esta frase de Nelson Rodrigues representa o que nós pensamos da beleza. A televisão, a indústria cinematográfica e o mundo da moda ditam as regras da beleza. Mas a sabedoria popular nos ensina que “quem o feio ama, bonito lhe parece”. Então a beleza é relativa? Será? Para conhecer as respostas para estas perguntas é preciso visitar o universo de vários pensadores como Umberto Eco, Roger Scruton, Edmund Burker entre outros que examinam a beleza sob vários aspectos: social, filosófico, cultural.
Hoje o padrão do belo difere muito do passado. Na idade média o belo era alongado em direção ao céu como uma forma de alcançar Deus. Nas pinturas podia-se notar figuras anorexas, desprovidas de carne, pois a carne representava o pecado. No renascimento, a opulência da carne substitui a magreza e as formas adquiriram volumes e passaram a ser tão importante quanto o conteúdo.
Salvo os casos da anorexia nas passarela de moda, o padrão de hoje são os corpos secos, desprovidos de gorduras, com muitos músculos que saltam a pele. É a era do narcisismo em detrimento ao conteúdo da alma. Frascos vazios.
A pintura de Bocelli, a escultura de Rodin, a beleza esquálida de Gisele Bündchen representam qual padrão de beleza? E na literatura? Qual a estética das letras que representam os mais belos sentimentos humanos?
Somos os únicos seres vivos a perceber a beleza e a estética como um sentimento, como uma filosofia. Um belo pássaro ou um pavão não tem consciência da sua beleza. Nós não só temos está consciência como somos capazes de recriar a beleza a partir da nossa percepção das coisas que nos rodeiam e algo interior que sentimos mas não compreendemos.
Edmund Burker, um notável filósofo britânico do século XVIII, estudou vários aspectos da vida humana. Em um dos seus estudos Burker analisou a beleza e o sublime e os representa em seu livro Investigação Filosófica sobre a Origem de nossas Idéias sobre a Beleza e o Sublime. Burker investiga de onde vem as nossas percepções do belo, do perfeito e do sublime.
Neste livro, Burker apresenta os aspectos físicos e suas propriedades dos sentidos. Segundo Burker pelos sentidos julgamos o belo mais ou menos do mesmo jeito, qualquer que seja a cultura. É a concordância do gosto. Para Burker tudo o que dar prazer é uma unanimidade quando compreendido como a beleza. Porém ha outro aspecto ao julgar a beleza que deve ser considerado: A imaginação. Esta eleva em muito a nossa percepção da beleza, pois adiciona algo mais que só nós temos, que é fruto da nossa vivência. É por isso que uma retrato ou numa paisagem na mais avançadas das máquinas fotográfica não passa perto de uma pintura a óleo, em que o pintor coloca nela toda a sua. Este elemento a mais na composição do sentimento que temos da beleza é o que Burker chama de imaginação:
” Imaginação é a província mais extensa do prazer e da dor, pois é a região onde residem nossos medos e nossas esperanças, bem como todas as nossas paixões que estão conectadas a eles; e tudo que afeta a imaginação com essas ideias impositivas, por força de qualquer impressão natural original, terá o mesmo poder e agirá de maneira consideravelmente semelhante sobre todos os homens. Pois, tendo em vista que a imaginação é apenas a agente dos sentidos, ela somente pode ter prazer ou desprazer por meio das imagens originadas e pelo mesmo princípio que os sentidos sentem prazer ou desprazer em relação às realidades; e, por conseguinte, a concordância exata deve existir na imaginação de forma igual àquela existente nos sentidos dos homens.”
Burker adverte que a beleza e o sublime puro e universal só podem ser percebido por um espírito elevado:
“Alguns homens são formados com sentimentos tão rudes, com ânimo tão frio e fleumático que, dificilmente, poderíamos dizer que eles estiveram acordados durante todo o curso de suas vidas. A essas pessoas, os objetos mais marcantes causam apenas uma impressão fraca e obscura. Existem outros homens que estão continuamente em meio a prazeres brutos e meramente sensuais, ou estão extremamente ocupados com o trabalho vil da avareza, ou então estão tão envolvidos com a busca da honra e da distinção, que suas mentes e utilizadas continuamente para as tempestades dessas paixões violentas e tempestuosas mal podem ser colocadas em movimento por meio de uma obra delicada e refinada da imaginação Esses homens, mesmo que por uma causa diferente, tornam-se tão estúpidos e insensíveis como os primeiros; mas caso um desses dois tipos de homens seja atingido por alguma elegância ou grandeza natural, ou algo que tenha essas qualidades em uma obra de arte, eles ficam comovidos a partir do mesmo princípio.”
Para Burker não compreender a verdadeira essência da beleza é uma patologia:
“O mau Gosto tem origem em um defeito do juízo. E ele pode originar-se de uma fraqueza natural do entendimento (seja qual for a consistência da força dessa faculdade) ou, com maior frequência, pode originar-se da falta de exercício adequado e devidamente orientado, o qual, por si só, poderia tomá-lo forte e preparado para agir. Além dessa ignorância, a desatenção, o preconceito, a imprudência, a leviandade e a obstinação, em suma, todas as paixões e todos os vícios que pervertem o juízo em outros assuntos, causam a mesma proporção de prejuízos nesse seu âmbito mais refinado e elegante. Essas causas produzem diferentes opiniões sobre todos os objetos do entendimento, mas sem induzir-nos a supor a não existência de princípios estabelecidos da razão. E, de fato, podemos notar que em geral há menos diferenças nas questões de Gosto das pessoas, do que na maioria dos temas que dependem da razão pura; e que, entre os homens, há maior concordância a respeito da excelência de uma descrição de Virgílio, do que sobre a verdade ou a falsidade de uma teoria de Aristóteles.
A retidão do juízo a respeito das artes que pode ser chamada de bom Gosto depende em grande parte da sensibilidade, pois quando a mente não possui qualquer inclinação para os prazeres da imaginação, ela nunca Se aplicará suficientemente para adquirir um conhecimento competente sobre as obras dessas espécie.”
Este ensaio de Burke talvez seja o melhor retrato sobre a beleza. A investigação por ele realizada, do ponto de vista filosófico, na prática representa a expressão de Nelson Rodrigues e deixa aberta o eterno debate que a beleza é relativa, dado a tantos fatores, sobretudo culturais, que a forma. Se assim for, se há relativismo na beleza é porque existem elementos que a ofusca diante dos nossos sentidos. Um céu nublado para quem depende da chuva para a sua colheita nos campos agrícola é o paraíso, enquanto para que esta numa praia curtindo as férias, e a visão do inferno. Mas por trás deste manto que é o tempo que muda a visão, os céus continuam os mesmos.
Este tratado de Burke foi publicado originalmente em 1757. Esta edição foi publicado 2016 pela editora Edipro com tradução, introdução e notas de Daniel Miranda Moreira.
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