As Raízes do Romantismo, livro de autoria do filósofo Isaiah Berlin (1997) natural da Letônia, é uma reflexão sobre as origens do pensamento romântico.
Berlin traça um cenário de quando surgiram os primeiros movimentos na Europa e analisa as ideias dos seus autores, lugares e fatos que foram responsáveis pela transformação de uma Europa que ainda estava presa ao pensamento escolástico. Berlin nos mostra como Rousseau, Byron, Goethe, Blake, Herder, Fichte e Schelling foram capazes de influenciar o mundo ocidental e causar grandes transformações na literatura, na música e na política.
Distante do romantismo que aprendemos nas escolas, esta obra também nos leva à compreensão do movimento que tanto influenciou a nossa literatura no século XIX, quando aqui nos foi apresentada em 1836 por Domingos José Gonçalves em seu livro de poemas “Suspiros poéticos e saudades”, este considerado um marco.
O que a maioria das pessoas instruídas sabe sobre o romantismo, tem origens nas escolas de ensino médio ou nas faculdades de letras e filosofia. Além disso tudo que se sabe são relações que o romantismo mantem com os corações apaixonados.
Muito além de movimento literário dos apaixonados, o romantismo foi um grande movimento de ideias que transformaram o espírito da Europa cuja a marca principal foi o surgimento das ideologias que mudariam a forma e o conteúdo do pensamento do século XX e XXI com consequências catastróficas para milhões de pessoas.
Ao explorar as causas do romantismo, Isaiah Berlin, nos transporta para o tempo e o lugar onde as sementes das ideias foram plantadas. Berlin esclarece que:
“A importância do Romantismo é ter sido o maior movimento recente que transformou a vida e o pensamento do mundo ocidental. Creio ser ele a maior mudança já ocorrida na consciência do Ocidente, e todas as outras mudanças que aconteceram ao longo dos séculos XIX e XX me parecem, em comparação, menos importantes e, de todo modo, profundamente influenciadas por ele.”
“A figura que domina o século XIX como imagem é a figura desgrenhada de Beethoven em seu sótão. Beethoven é um homem que expressa aquilo que está dentro dele. Ele é pobre, é ignorante, é grosseiro. Não tem boas maneiras, sabe pouco e talvez não seja uma figura muito interessante, exceto pela inspiração que o impele para a frente. Mas ele não se vende. Senta-se em seu sótão e cria. Ele cria de acordo com a luz que está dentro dele, e isso é tudo o que um homem deve fazer; é isso que faz de um homem um herói.”
“Mesmo que ele não seja um gênio como Beethoven, mesmo que, tal como o herói do romance de Balzac “A obra-prima ignorada”, seja louco e recubra a tela com tintas, de modo que no final não haja nada de inteligível, apenas uma confusão horrível de borrões incompreensíveis e irracionais mesmo assim essa figura é digna de algo mais do que pena, ele é um homem que se dedicou a um ideal, que pôs de lado o mundo, que representa as qualidades mais heróicas, mais abnegadas, mais esplêndidas que um ser humano pode ter.”
“O propósito da arte é produzir beleza, e se apenas o próprio artista percebe que seu objeto é belo, essa já é uma justificativa suficiente para sua existência.”
“Stendhal diz que o romântico é o moderno e o interessante; o classicismo é o velho, o maçante. Isso talvez não seja tão simples quanto parece: o que ele quer dizer é que o Romantismo é uma tentativa de compreender as forças que se movem na própria vida da pessoa, e não é uma fuga para algo obsoleto.”
“[…] No entanto, Friedrich von Gentz. que era o principal agente de Metternich nessa época e um contemporâneo exato de Sismondi, diz que o Romantismo é uma das cabeças de uma hidra tricéfala. sendo as outras duas cabeças a Reforma e a Revolução: é, na verdade, uma ameaça de esquerda, uma ameaça à religião, à tradição e ao passado, que deve ser erradicada dos jovens românticos.”
Percebe-se pelas expressões acima, que o romantismo surgiu em contraposição ao clássico, ao cartesianismo e à razão. Sonhar com o impossível era a regra. Nascia as ideias utópicas, males e desgraças das gerações futuras.
Para Berlin, o iluminismo foi de certo modo o precursor do romantismo quando despertou na Alemanha arrasada pela Guerra do Trinta Anos, humilhada e inferiorizada pela Europa, certo rancor e ódio a tudo que não fosse voltado para o simples com Deus, ódio sobretudo aos franceses e aos seus filósofos e as suas idéias. Para Berlin estes fatos fizeram a Alemanha mergulhar na depressão profunda e buscou reconforto em Deus e na vida simples. Estava aí surgindo as raízes do romantismo na Alemanha. O romantismo era uma reação ao que os alemães da época odiavam: a razão, em outras palavras o iluminismo. Berlin argumenta que:
[…] se eu achar que não existe uma mesa na minha frente e caminhar direto para ela, provavelmente sofrerei um incômodo. No entanto, demonstrar tal como posso demonstrar proposições matemáticas, demonstrar tal como posso demonstrar uma proposição na lógica, em que o oposto não é apenas falso, mas sem sentido isso eu não posso fazer. Portanto, devo aceitar o mundo como matéria de fé, na base da confiança. A crença não é o mesmo que a certeza dedutiva. Na verdade, a dedução não se aplica, em absoluto, aos fatos.
“Se todas as coisas que no momento você odeia ou teme pudessem ser representadas como derivadas, necessariamente, de cadeias lógicas a partir de tudo o mais que existiu, você as aceitaria como sendo não apenas inevitáveis, mas razoáveis e, portanto, deleitáveis, tanto quanto “dois mais dois são quatro” ou qualquer outra verdade lógica sobre a qual você fundamenta sua vida, sobre a qual seu pensamento repousa. Esse ideal do racionalismo foi certamente quebrado por Hume.”
“Embora Montesquieu e Hume tenham causado esses pequenos impactos no panorama do Iluminismo um mostrando que nem tudo é igual em toda parte, o outro dizendo que não existem obrigatoriedades, mas apenas probabilidades, a diferença que fizeram não foi muito grande. Hume certamente pensava que o Universo ia continuar avançando mais ou menos da mesma forma que antes. Decerto pensava que havia caminhos racionais e irracionais de ação e que os homens seriam felizes por meios racionais. Ele acreditava na ciência, acreditava na razão, acreditava no discernimento frio, acreditava em todas as proposições bem conhecidas do século…”
“A verdade sobre os alemães nos séculos XVII e XVIII é que eles formam uma província um pouco atrasada. Eles não gostam de considerar a si mesmos por esse prisma, mas mesmo assim é correto descreve-los nesses termos. No século anterior, o XVI, os alemães tinham sido tão progressistas, tão dinâmicos e tão generosos em sua contribuição para a cultura europeia como qualquer outro povo. Certamente Dürer foi tão grande pintor como qualquer outro pintor europeu de sua época.”
“Certamente Martinho Lutero foi uma figura religiosa tão grande como qualquer outra na história européia. Mas, se considerarmos a Alemanha do século XVII e inicio do XVIII, com exceção da grande figura de Leibniz, sem dúvida um filósofo de escala mundial, é muito difícil encontrar alguém entre os alemães da época que tenha afetado o pensamento ou mesmo a arte mundial de alguma forma significativa, em especial no final do século XVII.”
Em sua análise sobre o surgimento do romantismo na Alemanha, nem Bach escapou do exame de Berlin que apesar de considerar a obra de Bach em sua amplitude e importância universal, na época como ele mesmo esclarece, Bach estava imbuído do mesmo espírito provinciano e recalcado da sua época diante dos fatos. Está opinião lhe custou muitas críticas e retratações.
“[…]na Alemanha uma sensação permanente de tristeza e humilhação, que aparece nas baladas melancólicas e na literatura popular do final do século XVII, e inclusive nas artes em que os alemães se distinguiram é até mesmo na música, que tendia a ser doméstica, religiosa, intensa, voltada para dentro e, acima de tudo, diferente da arte resplandecente da corte e das esplêndidas conquistas seculares de compositores como Rameau e Couperin. Não há dúvida de que, comparando Bach e seus contemporâneos, como Telemann, aos compositores franceses da época, apesar de o gênio de Bach ser incomparavelmente maior, toda a atmosfera e o tom de sua música são muito mais, não digo provincianos, mas coadunados à vida religiosa interior da cidade de Leipzig.”
“[…]Esse é o estado de espírito em que atuavam os pietistas alemães. O resultado foi uma intensa vida interior. Uma grande quantidade de literatura muito comovente e interessante, mas altamente pessoal e violentamente emocional. O ódio ao intelecto e acima de tudo, claro, o ódio violento à França, às perucas, às meias de seda, aos salões, à corrupção, aos generais, aos imperadores, a todas as grandes e magníficas figuras deste mundo, que são simplesmente encarnações da riqueza, da maldade e do diabo. É uma reação natural de uma população piedosa e humilhada, e aconteceria depois em outros lugares também. É uma forma particular de antagonismo à cultura, de anti-intelectualismo e xenofobia a que os alemães estavam, naquele determinado momento, particularmente propensos.”
“Nesse contexto, o movimento pietista, que realmente é a raiz do Romantismo, tornou-se profundamente arraigado na Alemanha. O pietismo era um ramo do luteranismo e consistia em um estudo cuidadoso da Bíblia e profundo respeito pela relação pessoal do homem com Deus. Havia, portanto. uma ênfase na vida espiritual, desprezo pelo aprendizado, desprezo pelo ritual e pela forma, pela pompa e pela cerimônia, e uma enorme ênfase na relação individual da alma humana sofredora com seu criador. Spener, Francke, Zinzendorf, Arnold e todos esses fundadores do movimento pietista conseguiram trazer consolo e salvação para um grande número de seres humanos socialmente esmagados e politicamente miseráveis. O que ocorreu foi uma espécie de retirada para as profundezas.”
“Assim, toda a doutrina iluminista lhe parecia matar aquilo que havia de mais vivo nos seres humanos, parecia oferecer um pálido substituto para as energias criativas do homem e para todo o rico mundo dos sentidos, sem os quais é impossível para o ser humano viver, comer, beber, ser feliz, conhecer outras pessoas, realizar mil e um atos sem os quais fenece e morre.”
Percbe-se nestas passagens do livro de Berlin, que as ideologias dos séculos XX e XXI nascidas do romantismo era filha legitima do iluminismo. Uma análise cuidadosa das reflexões de Berlin, nos mostra que o ocidente renascia de Rosseau a Fichte. No Brasil, o movimento estudantil de 1968 foi todo influenciado por estas ideias.