Martin Heidegger, Hannah Arendt, Carl Schmitt, Walter Benjamin, Kojeve, Foucault e Derrida. O que essas pessoas tinham em comum além do fato de que todas elas fizeram alguma revolução no pensamento ocidental? Em A Mente Imprudente, livro de autoria de Mark Lilla, autor de outra obra sobre o pensamento reacionário, A Mente Naufragada, demonstra que as ideias desses intelectuais possuem vínculos com ideais totalitários: revestem as ações dos tiranos com vernizes filosóficos; fazem discursos ideológicos em defesa das utopias ao negar as obviedades de uma realidade que condena todos ao inferno. Tornam-se partidários da desgraça humana. Qual seria a causa de tanta imprudência? Mark Lilla investiga porque esses pensadores de esquerda, dotados de mentes investigativas, com alta capacidade de lidar com as abstrações filosóficas, influenciadores de futuras gerações de intelectuais, que deveriam defender os valores que preservam a vida, têm simpatia por ideologias que pretendem mudar tudo e salvar a humanidade, mesmo que seja necessário destruir os homens.
A Mente Imprudente não inicia e não encerra as obras que buscam a compreensão do pensamento dos intelectuais de esquerda do século XX. Raymund Aron (O Opio dos Intelectuais), Dr. Lyle H. Rossiter (A Mente Esquerdista), Flávio Gordon (A Corrupção da Inteligência), Jean Sévilla (O Terrorismo Intelectual) são alguns autores que se prestam a revelar o lado sombrio da “intelectuária”, como se referia José Osvaldo de Meira e Penna (A Ideologia do Século XX) a estes homens e mulheres que nascidos com estrema capacidade investigativa, analítica e reflexiva, deslocam todo o esforço na justificativa da barbárie.
Em A Mente Imprudente, Mark Lilla procura analisar os aspectos políticos e um pouco da biografia de alguns intelectuais do século XX que de alguma forma têm responsabilidade pelas ideologias que justificam. Vejamos trechos de alguns capítulos do livro.
Mark Lilla explica que os filósofos são os únicos e verdadeiros amantes. Quando estes não estão envolvidos apaixonadamente com as ideias, lançam-se quase que inconscientes nas chamas da paixão (não pelos seus ideais, mas por uma pessoa) que a tudo ofusca, sobretudo a razão. Este é o caso de Martin Heidegger e Hannah Arendt. Como pode aquela que escreveu um dos maiores tratados contra o totalitarismo, encantar-se em paixão e cegar-se diante daquele que até os seus últimos dias jamais negou a sua simpatia pelo nazismo, e nunca se desculpou disso mesmo quando foi revelado ao mundo o produto final representado em milhões de judeus mortos pelo regime? Mark Lilla ironiza:
“O filósofo e o tirano, o mais elevado e o mais vil dos tipos humanos, por um perverso truque da natureza, se ligam pela força do amor.”
A paixão que Arendt tinha por Heidegger a cegou, porque senão, como é possível que ela, cuja obra revelou o mais baixo espírito do mal, como ela mesma chamou de “banalidade do mal” em sua denunciante obra Eichmann em Jerusalém, não foi capaz de perceber que o homem, Heidegger, era simpatizante das ideologias nazistas tendo conhecimento de que este pregava o ódio contra os judeus, contra tudo que na concepção de Hitler sobre a pureza de raça, não fosse Ariano?
Por outro lado, o amor dos filósofos às ideias que constroem as ideologias mostram uma face perigosa. No segundo capítulo do livro, Lilla faz um escrutínio na vida e obra de Carl Schmitt e sua filosofia do inimigo político. Este sustenta que os critérios que distinguem entre amigos e inimigos são atos e motivações políticos. Não há como não pensar no holocausto ao refletir sobre este conceito do pensamento de Carl Schmitt. Se tudo é uma questão política, o inimigo a ser combatido é uma ideia ou a coletividade, nada contra o indivíduo, ainda que este sofra as consequências deste conflito. Lilla explica que para Schmitt:
“O inimigo a que ele se refere é o inimigo público, e não privado; uma coletividade é um organismo político apenas na medida em que tenha inimigos.”
Os autores seguintes, intelectuais examinados por Lilla, representam os mais elevados níveis de intelecto que fora produzido no século XX: Walter Benjamin, Alexandre Kojève, Michel Foucault, Jacques Derrida, são mentes imprudentes na medida em que de suas escrivaninhas tentaram dar legitimidade à loucura de homens que nutriam desprezo pelo homem. Que tentaram apoiar uma realidade em que as evidências da cruel loucura dos líderes totalitaristas e seus regimes cruéis estavam claras diante dos seus olhos. Aqui uma reflexão proposta por Lilla.
“Uma ideologia dá às pessoas a ilusão de entender mais do que de fato entendem. Hoje, parecemos ter desistido de tentar entender o quanto podemos. Sofremos de um novo tipo de arrogância, diferente da arrogância dos velhos mestres do pensamento. Nossa arrogância é pensar que não precisamos mais pensar muito nem prestar atenção ou buscar ligações, que precisamos apenas aferrar-nos aos nossos “valores democráticos” e modelos econômicos e a nossa fé no indivíduo, e tudo estará bem.”
Os intelectuais têm um papel fundamental no mundo. Pensar pela e para a humanidade, mas deve ter a consciência que as suas ideias no âmbito da filosofia-política serão os alicerces dessa humanidade que eles tentam mudar. Ao fim e a cabo, a sensação que temos é que essas pessoas têm simpatias por déspotas e facínoras. Cada uma com o seu motivo, por ideologia, por amor. Não importa. No fim se entregam aos braços de regimes totalitários e dão a estes legitimidades sob a luz da filosofia.
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