Da fundação da União Européia aos dias atuais, o livro Europa em Transição, do jovem historiador, filósofo e atualmente analista das políticas da União Européia, Luuk Van Middelaar, explica como a União Europeia tornou-se a própria Europa. Middelaar demonstra porque os diversos temas discutidos na União Europeia influenciam as políticas econômicas e sociais em todo o mundo. O livro vai além das questões geopolíticas do ocidente.
Ele é um retrato das consequências quando o que está em jogo é a soberania da Nação face aos conflitos de visões e de interesses existentes entre os líderes dos Estados-membros da União Européia. Para Middelaar, entrar neste seleto “clube” não é fácil, sair, muito menos. Para entender as engrenagens que fazem girar a grande roda do poder que controla todos os Estados-membros, Middelaar convida-nos a mergulhar nesta história desde o início da fundação da União Europeia.
Durante séculos, a Europa viveu em ebulição na disputa por territórios, com frequentes guerras entre os países que a compõem. Entretanto, foram as duas grandes guerras mundiais que deram aos europeus a percepção de que era preciso união para se proteger de inimigos comuns e contra um mundo que crescia em poder e força ao redor da Europa devastada pelas guerras, cujos representantes maiores eram os Estados Unidos e a URSS. Assim, sob a responsabilidade do ministro francês Robert Schuman e do chanceler alemão Adenauer, em 1951 nasceu a “Comunidade Européia do Carvão e do Aço”, que mais tarde, entre 1955 e 1957,consolidou-se no seu renascimento como União Européia. Os acordos ali firmados em um “papel em branco” com assinaturas de seis representantes, tinham a pretensão de promover a paz e prosperidade econômica no Ocidente após as duas grandes guerras mundiais. Como comenta Middelaar, “num papel em branco nascia uma Europa como uma página a ser escrita”.
Os conflitos que sempre envolveram as decisões políticas dos seus Estados-membros, em evidência desde a fundação da UE, envolvem situações específicas de cada país a exemplo do Brexit que aprovou a saída do Reino Unido da comunidade Europeia, mediante referendo de 2015.
Em novembro de 2018, a primeira ministra britânica Theresa May, reafirmou a sua posição em relação ao Brexit, ou seja, quanto ao acordo para a saída do Reino Unido da União Européia, prevista para março de 2019. O acordo que a premiê selou com a UE causou a renúncia de quatro ministros britânicos opositores ao referido acordo. Foco de pesadas críticas da ala mais conservadora do Partido Conservador Britânico, Theresa May é acusada de se posicionar fracamente às pressões da cúpula da UE, e que a sua decisão em aceitar os rígidos termos por ela impostos seria uma afronta à soberana vontade dos 52% dos britânicos que votaram pelo Brexit. Os entusiastas do Brexit argumentam que há muito poder concentrado nas mãos da União Européia e que esta se intromete em assuntos internos, como a situação das barreiras à entrada de emigrantes. Os britânicos veem nisso um claro desrespeito a soberania nacional.
Middelaar explica em seu livro “Europa em Transição” que os conflitos que nascem nas mesas de negociações da Comunidade Européia são disputas de poder decorrentes dos seus inúmeros interesses ali conflitantes. Os impasses desses conflitos são resolvidos no voto, mas é o veto que determina o final do impasse, que quase sempre tem sérias consequências para a parte derrotada.
Para Middelaar vem de Hobbes, Locke e Rousseau a inspiração que levou os fundadores do bloco à criação do veto como mecanismo de defesa de sua integridade, embora muitos argumentem que o poder de veto finda por dar mais poder ainda a alguns Estados-membros já muitos poderosos. Para reforçar essa ideia Middelaar argumenta que, “se a maioria dos votos não consegue coadunar um corpo político como um todo, este logo se desfaz novamente”. Afirma também que, “sem votação por maioria, não há ordem política” e conclui que “o retorno ao veto significa um retrocesso a condição natural”, pois o veto pode frustrar a vitória de uma tese majoritária. Middelaar observa que, se Rousseau pudesse opinar, diria que uma vez que os Estados europeus têm poder de veto, não formariam um corpo político e, consequentemente, se instalaria a desunião e a impotência.
Assim Middelaar sustenta que Hobbes, Locke e Rousseau, auxiliaram os fundadores do bloco a construirem os mecanismos legais na unificação da Europa, em que o veto no processo de decisão é a mais importante peça da engrenagem. Desta forma, Middelaar conclui que a transição para o processo de tomada de decisão por maioria em muito contribuiu para a unificação do continente europeu.
Thereza May está sentindo a força da paridade voto e veto, instrumentos que a UE utiliza na manutenção do status conquistado. Na prática, a saída do Reino Unido do bloco da União Europeia representa concentração de poder nos Estados-membros poderosos, a exemplo da Alemanha, bem como o encorajamento de outros países a também deixarem o bloco fortalecendo, assim, o natural sentimento nacionalista.
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