A REVOLUÇÃO DOS BICHOS

“Pensei em denunciar o mito soviético numa história que fosse fácil de compreender por qualquer pessoa, e fácil de traduzir para outras línguas, recordara George Orwell, quando caminhava no interior da Inglaterra, depois de regressar da “Guerra Civil Espanhola” nos anos 1930, sobre os motivos que o levaram a escrever “A Revolução dos Bichos”. O romance distópico fora inspirado na cena de um cavalo sendo chicoteado por um menino da qual fora testemunha ocular. Era evidente que se aquele cavalo atacasse a criança, ela não teria a menor chance contra a montanha de músculo à sua frente, refletira Orwell. No entanto, o animal curvava-se diante do seu verdugo, totalmente dominado por um sentimento que ele próprio, se fosse possível, não conseguia compreender. Assim, Orwell encontrou uma forma simples de levar as suas experiências com o comunismo aos quatro cantos do mundo, transformando a tragédia socialista em um romance ficcional distópico. Esta é a história de um sistema de servidão que aterrorizou o mundo. Ela é também a história do século XX.

A Revolução dos Bichos irrompeu na fazenda “Granja do Solar”, propriedade do sr. Jones, que logo passaria a se chamar “Granja dos Bichos”, cujos bichos logo sentiriam no “couro” que “todos os bichos são iguais. Mas alguns bichos são mais iguais que outros”. O sistema ali imposto, seguia os princípios da ideologia do Major, um porco velho e experiente, uma espécie de intelectual referência que reunia os demais animais da fazenda para falar de um “paraíso” onde não mais haveria exploração e fome, e que no lugar do opressor e oprimido, reinaria a igualdade, a liberdade e a felicidade. Ao morrer, o Major deixou o seu legado ideológico para as futuras gerações e logo surgem Napoleão e Bola-de-Neve, porcos com peculiar inteligência, que utilizarão das ideias do Major para derivar outras ideologias. Para atingir os novos objetivos traçados pela dupla, inspirado no “Majorismo”, que agora passaria a ser chamar “Animalismo”, os animais da fazenda, devidamente “educados” para tal, deveriam trabalhar sem cessar, sem questionar e ter na mente somente um objetivo: trabalhar pelo futuro da coletividade.

Entretanto, para que o plano funcionasse, alguns deveriam cuidar da sua execução e monitoramento. Esta responsabilidade recaia sobre os ombros dos porcos, que em pouco tempo, utilizando-se das prerrogativas de que lhe conferia o exaustivo e importante cargo, puxam para si certos privilégios. Mas, os inimigos, os homens, são astutos e tudo fariam para destruir os animais e o seu animalismo. Por isso, os porcos precisavam de um inimigo comum, mesmo que precisassem “cortar na carne”. Este seria uma espécie de “bode expiatório” que seria utilizado para fortalecer o ódio que os animais sentiam pelos humanos: o escolhido foi o Bola-de-Neve, o herói da luta contra os humanos, agora transformado no traidor do povo e que servia aos homens.

Assim, os animais teriam dois grandes objetivos: odiar Bola-de-Neve até mais que os homens e, trabalhar, trabalhar, trabalhar…. Desta forma, a fazenda prosperava. Por outro lado, os problemas comuns às crescentes necessidades, começaram a aparecer. Diante destes problemas os porcos logo perceberam que as possíveis soluções estavam do lado dos homens e seu “humanismo”. Portanto, em nome de algo maior, eram necessárias pequenas adequações nos princípios do animalismo, vez que todo o sacrifício valia a apena, até mesmo acatar alguns princípios do inimigo, afinal a luta deve continuar e nada melhor que utilizar os instrumentos dos opressores para a sua destruição.

Desta forma, a fazenda continuava prosperando. Todavia, só melhoraram para os porcos, vale ressaltar, pois para os demais animais era só trabalho e eles percebiam isso. Porém, apesar disso, de não ver nenhuma prosperidade material, os demais animais agora trabalhavam para os animais e não para os homens. Com efeito, pois agora estavam livres do julgo dos humanos, eram livres. Certamente estavam melhores, apesar de não lembrarem muita coisa do passado.

Mas que importa a história se os animais tinham um futuro glorioso lhe aguardando. Eles só tinham que trabalhar muito e assim continuaram fazendo. Até que um belo dia os animais presenciaram uma cena entre os porcos e os homens que os fizeram compreender que o inimigo esteve o tempo todo entre eles e que combateram um inimigo imaginário. Eles aprenderam que os homens e os bichos são o problema e que as ideologias são as expressões fidedignas dos seus vícios e instintos. Eles agora eram escravos dos seus libertadores.

O Orwell foi muito feliz ao construir a sua narrativa sobre o stalinismo e o trotskismo utilizando uma espécie de fábulas dos bichos. Ao fazê-lo fácil para tradução em diversas língua, deixou um legado para os jovens. Estes, os jovens, tem a obrigação de ler e entender A Revolução dos Bichos como um meio de entender os perigos das ideologias. Elas são necessárias, pois todo homem deve viver por um ideal, mas jamais defender aquele ideal que promete o paraíso às custas da escravidão e morte das pessoas. Portanto, A Revolução dos Bichos é uma alerta sobre uma verdade: a de que ideias ruins têm consequências igualmente ruins.

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1 Comentário

  1. Vícios, idéias e crenças…o livro trata tão bem desses aspectos e a facilidade com que o autor discorre sobre o tema, de forma tão lúdica, o tornam uma obra prima.

    Por mais inspiradora que uma idéia pareça no início, aplica-la à sociedade a tornará passível de falhas. Somos corrompidos desde o momento que nascemos e desenvolvemos necessidades e desejos, como equilibrar, de forma justa, o estado e o indivíduo, mediante a busca incessante do homem de conhecimento, comodidade e prazer? Como tornar a sociedade justa, onde um grupo não seja privilegiado e os demais não se sintam explorados ou inferiorizados?

    Deixo aqui as mesmas indagações que o autor procura expor nesse livro brilhante. A resposta? Ainda não a temos.