Não Contem com o Fim do Livro, traz um diálogo agradável entre dois grandes escritores sobre suas experiências como colecionadores de livros e produtores literários, donde derivaram muitas reflexões sobre a história e a resistência do livro escrito em papel ao longo dos séculos. Não obstante, o livro no formato papel, com a sua história que deu tantas histórias sobre sua heroica trajetória desde a grande revolução causada pelo advento do nascimento da imprensa, quando Johannes Gutenberg em 1439 inventou a impressão tipográfica, sendo a Bíblia o primeiro livro impresso, o livro tem resistido às mudanças causadas por um mundo novo.
Desde então, o livro passou por várias transformações. As tecnologias modernas mudaram profundamente a forma como nos relacionamos com o livro. Ao mesmo tempo, as mesmas tecnologias que trouxeram significativas facilidades de ler, marcar, extrair texto, corrigir e armazenar em espaço diminuto, em outras palavras, o seu formato digital, é uma ameaça a relação íntima que mantemos com o livro. Corremos o risco, num futuro não muito distante, de não mais podermos pegar um livro na estante, sentir o seu peso e cheiro, folhear as páginas, sentir a sua presença física, tornando-o um amigo íntimo, dando-lhe vida e forma. O papel continua sendo o melhor suporte e nada substitui a magia de virar uma página. A sensação do porvir num ato tão simples revela o quanto nos encanta ler um livro em papel e saber que é graças a ele que a história da humanidade ecoará por toda eternidade.
Deste modo, é sobre esta relação com o livro que o escritor Umberto Eco (1932-2016), autor de obras memoráveis como O Nome da Rosa, numa agradável prosa com o escritor e ator Jean-Claude Carrière, conduzem o leitor a refletir, no livro Não Contem com o Fim do Livro, sobre este grande personagem que acompanha a trajetória da humanidade desde que o homem pré-histórico pintou, nas paredes da caverna (arte rupestre), a primeira forma de comunicação não sonora e não gestual.
Fatalmente, as novas tecnologias ameaçam a intimidade que surge no diálogo que o leitor mantém com o autor. O livro tem essa magia de ser o elo entre duas pessoas que se sentem conectadas e se fundem. O diálogo entre os dois, tornam-se então um caminho íntimo. O romancista francês Jean-Philippe de Tonnac observa, no prefácio da referida obra, que “certa sacralidade com que o livro foi aureolado no contexto de uma civilização que o instalará no altar. Uma intimidade especial entre o autor e seu leitor que a noção de hipertextualidade irá necessariamente constranger.”
Aqueles que de fato são amantes do livro, sentem calafrios ao pensar que o livro pode acabar numa fogueira, agora na forma de reciclagem, para dar lugar definitivamente ao formato digital. Como na épica resistência do livro em Fahrenheit 451, devemos salvá-los dos “sabujos mecânicos” e dos “Beatty”. Os livros que estão em nossas estantes não podem ser editados, transformados. O seu conteúdo estará eternizado em suas páginas, protegidos pelo exército de “Guy Montag”. Sim, o livro nasceu no papel e neste deve se eternizar. Que se guarde em outros formatos, mas jamais o permitamos na “fogueira”. Salvemo-los. Façamos como disse Umberto Eco: “Logo, se devo salvar alguma coisa que seja facilmente transportável e que deu provas da sua capacidade de resistir às vicissitudes do tempo, escolho o livro”.
Para Jean-Claude Carrière, o livro se perde à medida que a tecnologia avança sobre ele: “Portanto, ainda somos capazes de ler um texto impressos há cinco séculos. Mas somos incapazes de ler, não podemos mais ver, um cassete eletrônico ou um CD-ROM com apenas poucos anos de idade. A menos que guardássemos os nossos velhos computadores em nossos porões”.
Para aqueles que amam o livro em papel, este já são eternos. Mesmo que o formato um dia mude, dando fim ao formato de papel (esperamos sinceramente que não), ele permanecerá para sempre em seus corações.