O Declínio Moral da Humanidade
O que há de errado com o mundo? Acredito que em nossos dias a maioria das pessoas que têm algum senso crítico sobre a vida em sociedade fará esta pergunta. O mundo parece que enlouqueceu. O século XX, marcado pelos extremismo e pelas guerras e o presente século XXI, marcado pelo declínio da moral e da ética imprimiram na humanidade a marca do Armagedon. Ao que parece, de um ponto vista religioso, o tempo da desgraça dos homens e mulheres chegou a termo. Se observado do ponto de vista antropológico e sociológico, a humanidade encontra-se em um período de transformação cultural e religiosa que converge para o declínio moral da humanidade.
Estamos numa fase de arrebatamento do espírito hedonista e de supervalorização epistemológica, diriam os filósofos. Para os simples mortais que habitam os níveis mais inferiores da sociedade humana, o mundo enlouqueceu, concordo. Ninguém entende mais nada. Com esta simplicidade conclusiva as massas profetizam o fim do mundo. De fato, vivemos numa era em que qualquer tentativa de explicar a gênese da sociedade moderna à luz da razão e da fé, termina sempre em um cem números de elucubrações desgastantes e conflituosas que mais complica que explica. Hoje, esta grande questão é reduzida na simplicidade angustiante da pergunta comum: “Para onde caminha a humanidade?”.
Acredita-se que existem causas para todas as coisas da vida. Os nossos problemas sociais não ficam de fora dessa crença. Com efeito, estão nas raízes dos problemas sociais os porquês das nossas mazelas. Quando encontra terreno fértil o mal subverte o ser humano. O homem não nasce “puro”, desculpa Rousseau, embora a sociedade possa transgredir o seu “bom selvagem”, não se pode tomar este pensamento como uma verdade irrefutável. A vida prática refuta e mostra o contrário. A sociedade é formada em sua maioria por pessoas que não se deixam corromper e não se corrompem. Portanto, pode-se partir da premissa de que somente o ser humano é responsável pelo destino da humanidade.
Evoluímos dia após dia com as nossas ciências e tecnologias. Até aqui vencemos todas as fronteiras que a natureza nos apresenta. Nem o céu é mais um limite para o nosso espírito desbravador e angustiado pelo desejo da descoberta. Então, apesar de todos os avanços que nos lançam às fronteiras do possível, por qual razão socialmente continuamos pensando e agindo como se a moral e a ética estivessem jamais tivesse acompanhado a evolução social e científica?
Herdamos dos gregos e romanos a milenar filosofia e conceitos políticos, como igualmente herdamos dos sábios do Oriente antigo profundos ideias morais e éticos. Mas, parece que a despeito do estágio evolutivo, calcado em um tremendo avanço tecnológico e científico, que a modernidade nos propôs, nos aspectos morais estamos com milênio de atraso. Dito de outra forma, há dois mil anos, Deus mandou seu Filho para levar a Grande mensagem para a Salvação da humanidade; há mais de dois mil anos filósofos gregos e romanos nos deixaram um patrimônio cultural e filosófico dos quais extraímos as bases do pensamento político e filosófico do nosso tempo. Por que então o mundo parece descambar para um princípio moral com inversões de valores, destruição de instituições que afinal de contas são as luzes do que somos hoje? A luz não pode apagar.
O que Há de errado com o Mundo
Chesterton, um grande observador da tragédia humana diria que tudo que está hoje ocorrendo com a humanidade é fruto dos passos dado pelo homem que avança e apaga as suas pegadas. Em outras palavras, é resultado do pensamento progressista que se traduz nas ações humanas. Meus antepassados diriam que é falta de Deus nos corações dos homens e mulheres. Do meu ponto de vista, ambas asserções estão corretas. Todavia, é em G. K. Chesterton que vamos encontrar reflexões sobre os descaminhos da humanidade, consideradas em seu livro O Que há de Errado com o Mundo.
Está obra é uma tentativa do grande pensador católico de responder a esta grande questão sob a ótica de um conservador ortodoxo. É possível extrair dela uma imensa gama de reflexões sobre os males que afligem a sociedade moderna. A obra está dividida em cinco partes que, por sua vez, estão separadas em capítulos. O prefácio “O Que Falta ao Nosso Tempo” é do ilustre professor Rodrigo Gurgel, um estudioso das obras de Chesterton.
Vamos analisar o pensamento chestertoniano em alguns capítulos do livro.
O Desabrigo do Homem
Neste capítulo, Chesterton investiga alguns aspectos ontológicos do indivíduo perdido em si mesmo, receoso de olhar para o passado. Para o autor, este indivíduo que caminha sem olhar para trás é escravo do futuro, que pensa e age com base no coletivo, coloca-se contra a liberdade individual, desrespeita o direito à propriedade e renega a instituição familiar. Este homem é desabrigado por uma hipócrita ideologia defendida por tecnocratas que professam horror ao passado, atacam as tradições e renegam os costumes.
Como numa pintura que descreve a angústia humana através de uma figura mitológica, nasce homem chestertoniano. Para Chesterton este “é um monstro disforme com os pés virados para frente e o rosto para trás”. Chesterton não se opõe a este homem e pondera que este homem, “pode criar um futuro luxuoso e gigantesco, contanto que pense no passado“. Este personagem mitológico estará vislumbrando um futuro possível, mas se mantém com olhar fixo nas coisas do passado de onde tira as inspirações para viver o presente.
A análise dos problemas sociais sob o ponto de vista cientificistas era uma das preocupações de Chesterton dentro de uma visão conservadora. Ele criticava o pensamento positivista-utilitarista que dar primazia às coisas da razão científica na tentativa de reinventar o homem à imagem e à semelhança da sua imaginação. Os conflitos decorrentes da nossa inaptidão para reconhecer a si próprio como um limitante para os nossos desejos refletem a nossa incapacidade de nos localizarmos na teia universal da Divindade espiritual. Avançamos no progresso como criança diante do seu novo brinquedo que arranca as suas peças e as recompõe em critérios puramente subjetivos.
Para Chesterton a questão é saber o que está, realmente, certo. Concordamos que há coisas certas, mas discordamos quanto às erradas, assevera. Chesterton vê o mundo através de um vidro opaco, uma espécie de “ordem desordenada” e desta maneira escreve: “A única forma de falar do mal social é ir direto ao ideal social. Todos temos consciência da loucura nacional, mas o que é a unidade nacional? Chamei este livro de “O que há de errado com o mundo?”, e a conclusão do título pode ser tirada de forma clara e fácil. Errado é não nos perguntarmos o que está certo“.
Chesterton presume o mundo precisa de homens não tão prático, mas envolvido com aquela percepção de que tudo tem um motivo do qual o único juízo prático que disto podemos extrair é continuamos parados quando pensamos que avançamos. “Um homem prático”, reflete Chesterton, “é alguém acostumado à mera prática cotidiana, à maneira como as coisas funcionam normalmente“. Este homem prático terá as respostas talhadas nas notas dos cálculos quiméricos porque “quando as coisas não estão funcionando, é preciso do pensador, do homem com a doutrina que explica o que nelas não estão funcionando.“ escreveu Chesterton. Os práticos, utilitaristas que são, buscam na eficiência ocultar, muitas vezes um vazio que deveria ser preenchido por um sentimento nobre. Mas eles são eficientes, pensaria o Chesterton:
“A eficiência é algo fútil pela mesma razão que faz fúteis os homens fortes, a força de vontade e o super-homem. Não tem uma filosofia para incidência antes que aconteçam. Por conseguinte, não tem poder de escolha. Um ato só pode ser bem ou mal sucedido depois de executado. Você ainda está para começar, ele só poderá ser, de maneira abstrata, certo ou errado. Não há como apostar no vencedor, pois, quando apostamos, ele ainda não é o vencedor. Não há como lutar do lado vencedor, pois se luta exatamente para descobrir qual é o lado vencedor”.
Então, este homem olha para o futuro, que termina na imaginação e nela encontra o seu consolo, pois incapaz que é de resolver um presente que não foi profetizado. Chesterton escreve que:
“A mente moderna vê-se forçada na direção do futuro pela sensação de fadiga não isenta de terror com que contempla o passado. Ela é propelida para o futuro. Para usar uma expressão popular, é arremessada para meados da semana que vem. E a espora que impulsiona avidamente, não é uma afeição genuína pela futuridade, pois a futuridade não existe, pois, que ainda é futura. É antes um medo do passado: medo não só do mal que há no passado, senão também do bem que há nele”.
E concluindo, assevera que homem prático persegue o futuro seguido da sua sombra que vem atrás dele. É o passado que, potente, mostra que na sombra como na história está desenhado o mapa do homem civilizado de ontem e de hoje. Chesterton diz que “os homens inventam novos ideais por que não se atreve a buscar os antigos. Olham com entusiasmo para frente porque tem medo de olhar para trás”. Sim a sua sombra o amedronta. Ao meditar sobre ela compreende que há muito não compreende os seus sinais.
“Por alguma estranha razão, o homem precisa sempre plantar suas árvores frutíferas no cemitério. O homem só pode encontrar vida entre os mortos”. Sábias palavras de Chesterton. Tolos, não reconhecem que nossa ciência, nossa filosofia, nossa política e tantos mais são respostas aos poderosos ecos dos pensamentos e ideias de ilustres homens e mulheres do passado que legaram para a posteridade os seus saberes. “Se eu vi mais longe, foi por estar sobre ombros de gigantes”, frase célebre proferida por Sir Isaac Newton (1643-1727) que traz inscrita em seu cerne toda a filosofia do conservador. Assim, como pensa Chesterton ao professar “o único livre-pensador autêntico é aquele cujo intelecto está tão livre do futuro quanto passado. Tão pouco se preocupa com o que será quanto com o que já foi; só lhe preocupa o que deve ser”.
O Imperialismo ou o Erro acerca do Homem
Aqui, o autor critica o desejo do homem de expansão tendo a democracia como o seu baluarte. Muito comum nos nossos tempos. Todavia, mais que isso, Chesterton demonstra o seu horror ao imperialismo e a “tirania da democracia” e acredita que a civilização subverte o que há de puro no homem numa espécie de reflexão rousseauniana. Ele tem uma crença clara sobre a democracia quando assevera que “talvez a verdade possa ser mais bem colocado assim: a democracia tem um inimigo real: a civilização. Aqueles milagres utilitários da ciência são todos antidemocráticos não tanto por sua perversão ou por seu resultado prático quanto por sua forma e propósito iniciais”.
Ora, Chesterton vê o progresso como o antagonismo entre o desejo do homem de superar suas insignificâncias frente à Criação que faria de cada um ser mitológico, e a necessidade de uma democracia cristã que traz a igualdade como corolário. Para Chesterton o problema da civilização encontrar-se perdido nessa dualidade, o problema é da civilização e não da democracia. Civilização é um estado de coisas que reflete uma série de valores que vão do cultural e religioso ao político e econômico, enquanto que a democracia é o sentimento espiritual do povo que anseia por prestígio e reconhecimento.
Para Chesterton a especialização, fruto de uma mentalidade racionalista e positivista, é o instrumento que destrói a democracia. Ele acredita que “a ideia comum entre os refugos de cultura darwiniana é a de que os homens foram aos poucos saindo da desigualdade e abrindo caminho para um estado de relativa igualdade. Mas penso que a verdade é quase o contrário disso. Todos os homens começaram natural e normalmente com a ideia de igualdade e só o abandona tarde e com muita relutância, sempre por alguma questão de detalhe”. São as circunstâncias que conduzem ao espírito democrático. Se sim, quais as circunstâncias? Em que medidas elas, às circunstâncias, revelam o tanto dos nossos anseios por liberdade e conquista?
Alguns hegelianos dirão que é por necessidade de prestígios que os homens extrapolam sua conduta como uma criação de Deus, quando muito, resigna-se em sua condição humana porque não consegue ser o próprio Deus. A democracia é o deus do homem moderno. Sob ela legitima suas ações que conduzem ao super-homem. Este é uma grande mal. Chesterton diria que: “Esta é a grande heresia moderna, que modificou a alma humana a fim de adaptá-la à circunstância, em vez de modificar as circunstâncias humanas para adaptá-las à alma humana”.
Feminismo ou o Erro em Relação a Mulher
Neste capítulo encontramos a síntese do pensamento chestertoniano sobre o papel da mulher no mundo e a sua crítica ao movimento sufragista, algo que, na sua época, o incomodou muito. Neste ensaio, Chesterton revela a sua visão que para muito é de um imperdoável machismo.
Todavia, uma análise mais ampla na concepção do pensamento de Chesterton revela que as suas críticas não pretendem ser uma agressão à mulher, ainda que às vezes isto possa parecer evidente. No universo chestertoniano há um equilíbrio em sua composição que coloca cada coisas em seus devidos lugares. Desta forma, homens e mulheres têm seus papéis que se complementam e jamais se fundem. Com um forte senso a favor da constituição da família e acreditando na importância do papel de ambos para uma educação ideal dos seus membro, é no equilíbrio desta relação que a sociedade sadia se forma, acredita.
A princípio, as convicções de Chesterton quanto ao lugar da mulher na sociedade joga uma nuvem negra sobre seus ideais. Por vez ele parece grosseiro ao referir-se às mulheres, relegando estas ao papel doméstico e de submissão ao homem. Entretanto, a crítica de Chesterton não recai sobre a mulher. Para ele é a mulher que busca reconhecimento e prestígio fora do lugar que a natureza lhe deu que lhe causa incômodos. Para ele estas mulheres são tiranas, não aquela que impõe a ditadura do lar, uma vez que para o autor, este é o seu domínio e universo, mas as que querem um lugar que por princípio pertence ao homem e satiriza “eu quero destruir a tirania [feministas]. Eles [os feministas] querem destruir a feminilidade. Eis a única diferença entre nós”. A crítica recai sobre uma tirania que antes de tudo atinge a própria mulher.
Sua recusa em aceitar que a mulher tivesse direito ao voto deve ter lhe causado muitos dissabores. Porém, no universo chestertoniano, a mulher tem um papel singular como a responsável por um equilíbrio harmonioso na família. Vejamos o que diz Chesterton: “Tenho assistido sistematicamente na grande parte da vida que é governada, não pelo homem e seu voto, mas pela mulher e sua voz, ou, mais frequentemente, por seu terrível silêncio”.
A mulher, é lógico, não deve limitar-se ao universo doméstico, embora seja fundamental manter sob este o seu domínio, dado que ela é a metade da fase mais importante da formação da família. Talvez Chesterton tivesse esta opinião enquanto escrevia este ensaio. Com efeito, ele revela o seu profundo respeito e também temor pela sagacidade feminina:
“As mulheres modernas defendem seus escritórios com toda a fúria da domesticidade. Elas lutam pela escrivaninha e pela máquina de escrever como se pela lareira e pelo lar, e desenvolvem uma espécie de feroz postura de esposa no interesse do chefe visível da empresa. É por isso que fazem tão bem o trabalho de escritório; e é por isso que não devem fazê-lo”.
A Educação ou o Erro em Relação à Criança
Este é outro ponto polêmico nesta obra tanto quanto o é o capítulo que trata das sufragistas. Chesterton acusa a sociedade de uma forma geral ao transferir a educação para o Estado e este por contribuir com o cenário para que isso aconteça. Ao analisar os métodos educacionais, ele desfaz a ideia de que as crianças aprenderão através destes métodos. Aqui ele demonstra que este tipo de educação tem um propósito: formar pessoas controláveis e ajustadas ao sistema.
Conclusão
Ao final desta resenha ainda fica no ar a pergunta: O que há de errado com o mundo? A resposta para o mundo contemporâneo não está neste livro, fato. Mas, esta mesma pergunta é hoje respondida com o mesmo significado da época de Chesterton que ao analisar o desabrigo do homem, o imperialismo, as sufragistas e tantas outras coisas do seu tempo concluiu que é só uma visão de um homem que quer manter-se no seu tempo, sem perder as coisas que lhe dão o sustento do espírito.
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Luiza
Muito bom ! Chesterton foi um grande homem.
O Pensador
Obrigado, prezada Luiza.