O QUE É FASCISMO

Questões sobre o fascismo

O fascismo é uma ideologia que professa que na sociedade o Estado é o deus e o indivíduo a sua criação. O propósito maior do fascismo é o domínio total e irrestrito da vida do indivíduo e o controle das instituições públicas e privadas. Por conseguinte, tem como corolário da sua ideologia a planificação da economia, a socialização de todos os meios de produção, bem como total controle sobre o indivíduo. Portanto, todo governo fascista é por definição um sistema totalitário. Neste contexto, o fascismo é muito semelhante ao comunismo e ao nazismo, dado que todos os três sistemas políticos defendem uma máquina estatal grande e burocrática com intervenção sobre as instituições civis e privadas. O fascismo escraviza o indivíduo mostrando-lhe a liberdade como uma utopia. Assim, faz todo o sentido dizer que o fascismo, pela sua origem, é uma ideologia predominantemente de esquerda. 

Lamentavelmente, o termo fascismo é utilizado indiscriminadamente para agredir toda pessoa cujo pensamento é uma opinião em contrário. Com efeito, fascismo é utilizado em tom difamatório para rotular qualquer um que tenha opinião diferente do outro. O curioso é que a maioria que a pronúncia não faz a menor ideia do seu significado histórico e teórico. Na realidade não precisaria chegar a tanto se, pelo menos, soubesse soletrá-la corretamente (maioria escreve “facismo”). Nas mãos do establishment o termo é explorado para subverter o senso comum. De outra maneira, o fascismo é utilizado para distorcer os fatos, confundindo a opinião pública. Infelizmente a indolência mental, tão comum ao nosso povo, contribui para o alastramento da desinformação que, graças à internet, cresceu muito com o advento das fakes news. 

Em tese, a confusão se vê até entre os intelectuais em suas visões conflitantes que mais confunde que esclarece. Quando a coisa se encontra sob interesses políticos tende a se complicar bastante. Por isso que nunca é pouco observar que para não cair no ridículo deve-se seguir um requisito mínimo e necessário quando se critica ou se defende uma crença, sobretudo, aquela que busca uma forte oposição a crença contrária. Quem não observar esses cuidados corre o risco de exposição ao ridículo e, consequentemente, cairá em descrédito perante a sociedade. 

A literatura sobre a história e teorias do fascismo é vasta. Tanto é verdade que ainda hoje autores de esquerda e de direita rivalizam-se. O escritor George Orwell(1903–1950) foi um dos pensadores que criticaram a ideologia fascista. Na década de 1940 George Orwell escreveu vários artigos para diversos jornais. Orwell observou que os partidos, incluindo todos os seguimentos da sociedade e todas as ideologias, faziam uso da palavra fascismo para atingir ferozmente o lado oposto. Assim como hoje, não havia uma definição clara do significado da palavra fascismo. A confusão era notória e a acepção da palavra adquiriu diversas conotações. 

A visão orwelliana

Os artigos escritos por George Orwell sobre o fascismo na década de 1940 estão no livro O que é Fascismo? E outros Escritos, publicado em 2019, pela Companhia das Letras, com a organização e prefácio de Sérgio Augusto e tradução de Paulo Geiger. Vamos aprender um pouco sobre estes artigos que mostram, nos turbulentos anos de 1940, a opinião de Orwell.

No artigo Profecia do Fascismo, publicado em 1940 no Tribune, Orwell faz uma interessante reflexão sobre o livro Tacão de Ferro, uma utopia socialista de Jack London (1876–1916), que segundo Orwell foi um livro muito procurado por quem queria compreender o fascismo. Entretanto, Tacão de Ferro não é uma crítica ou apologia aos regimes fascistas. Orwell na verdade tenta, a partir da sua análise, mostrar que a visão tosca que Jack London tinha do resultado da luta de classes estava muito aquém de outro utopista, H. G. Wells (1866–1946) e o seu livro “Adormecido Despertar”. Jack London em sua obra foi capaz de fazer previsões sobre a ascensão de Adolf Hitler (1889–1945) ao poder, coisa que para Orwell, apesar de H. G. Wells ter nítida superioridade intelectual em relação a Jack London, não foi capaz de antever. 

Entretanto, sustenta Orwell, Jack London foi quem apontou o real perigo que Hitler representava para a Europa. Segundo Orwell, devido ao seu espírito um tanto selvagem, por isso inclinado ao fascismo. Jack London percebeu, que as classes não se calariam diante de qualquer ameaça. Orwell mostra que, provavelmente, Jack London não teria cometido o erro dos marxistas ao defender que Hitler não representava ameaça séria e que o “fascismo social”, ou seja a democracia, é  que era o real inimigo. 

O fascismo daquela época nutria a crença que tinha na sua doutrina os meios para o governo do povo para o povo e que assim era através do poder do Estado que a luta de classe alcançaria o sucesso. Hoje a ideia de ter o fascismo e a democracia lado a lado na direção dos mesmos objetivos é veementemente rejeitada, até porque esta é uma ideia absurda, um contrassenso. Para os comunistas, o fascismo se opunha ao comunismo não como uma ideologia, visto que eram semelhantes, mas no desejo de implantar um governo poderoso e único sob a justificativa de libertar o povo do imperialismo. Assim, o marxismo via na democracia uma ameaça a revolução proletária sob as investidas dos fascistas. Isto na realidade não era novidade, pois os marxistas repeliam qualquer ideologia opositora ou concorrente. Qualquer pensamento que pretendesse substituir ou até alinhar-se ao comunismo, era furiosamente rechaçado. A conclusão lógica, a partir do artigo publicado por Orwell, é que o fascismo tinha a democracia como objetivo de libertação contra as ameaças capitalistas e imperialistas e, ao mesmo tempo, era uma oposição ao stalinismo.

Já no artigo O que é o Fascismo? publicado em 1944 no Tribune, Orwell procurou mostrar o quanto ambíguo era o uso do termo fascista. Ele afirma que de todas as perguntas não respondidas sobre nossa época, talvez a mais importante seja: o que é fascismo? Olha aqui o mesmo problema que temos hoje, sobretudo no Brasil. Escreveu Orwell no referido artigo: 

Uma das organizações americana de pesquisa social fez recentemente essa pergunta a 100 pessoas diferentes e obteve resposta que foram desde ‘democracia pura’ até ‘demonismo puro’. Nesse país, se se pedir uma pessoa medianamente esclarecida que defina o fascismo, ela em geral responderá apontando os regimes alemão e italiano. Mas isso é muito insatisfatório, porque mesmo os grandes estados fascistas referem, em boa medida, um do outro em estrutura e ideologia. Foi na política interna que essa palavra perdeu o último vestígio de um significado. Porque, examine a imprensa, você verá que não existe quase nenhum grupo de pessoas que não tenha sido denunciado como fascista durante os últimos dez anos.

Destarte, Orwell mostrou que todos eram na concepção do comunismo ‘simpatizante do fascismo’ ou de ‘tendência fascista’ ou simplesmente ‘fascista’. Naquela época, todo conservador era tido como pró-fascista; todo socialista, cuja ideia divergisse do marxismo, sustentava que o socialismo e o fascismo eram as mesmas coisas; trotskistas eram acusados de criptofascistas; a igreja católica era considerada pró-fascista; do mesmo modo, os que resistiam a guerra tanto quantos que a apoiavam eram considerados fascistas; o mesmo valia para os nacionalistas que sempre eram considerados inerentemente fascistas. Assim, as reflexões de Orwell abaixo deixam uma certeza: a de que o termo fascista vem sendo utilizado para diversos propósitos e cada vez mais escusos e ambíguo.

Mas debaixo de toda essa confusão subjaz uma espécie de significado oculto. Para começar, é óbvio que não há diferenças muito grandes, algumas delas são fáceis de apontar, mas não são fáceis de  explicar, entre os regimes chamados fascistas e aqueles chamados democráticos. Segundo, se fascista significa ter simpatia por Hitler, muitas das acusações que listei são mais justificadas do que outras. Terceiro, todo aquele que indiscriminadamente lança a palavra fascista em todas as direções está agregando a ela alguma medida de significado emocional. Por fascismo eles estão se referindo, de maneira grosseira, a algo cruel, inescrupuloso, arrogante, obscurantista, antiliberal e anticlasse trabalhadora. Com exceção de um número relativamente pequeno de simpatizante do fascismo, quase todo inglês, vai aceitar troglodita como sinônimo de fascista. É a coisa mais próxima de uma definição a que chegou essa tão abusada palavra.

Afinal de contas o que é o fascismo?

Historicamente, o fascismo nasceu no contexto em que se encontravam o socialismo e o nazismo como oposição ao imperialismo. Na década de 1930 o partido fascista italiano, ainda incipiente, não passava de um grupo de idealistas com forte viés anarquista. Este fazia ferrenha oposição ao governo monarquista de Vítor Emanuel III (1869–1947), soberano em Itália. Está registrado na história que o monarca, preocupado com a ameaça que o movimento fascista representava, colocou  Benito Mussolini (1883͢–1945) como seu ministro e deu a ele a missão de monitorar e reprimir qualquer movimento fascista. O que aconteceu foi exatamente o contrário. Mussolini não só derrubou o monarca como também se autoproclamou chefe da nação e instituiu o fascismo como o legítimo sistema de governo em Itália. Para Mussolini, o Estado era tudo e ele próprio era o Estado. O seu famoso aforismo “tudo no Estado, nada contra o Estado, e nada fora do Estado” imprime em seu governo a marca do totalitarismo. Esta é toda a filosofia de pensamento fascista sob a ótica de Mussolini.

O escritor brasileiro Bolívar Lamounier em seu livro Liberais e Antiliberais lembra que “o liberalismo situa-se na antípoda do fascismo e do marxismo.” Neste contexto o fascismo pode se identificar com alguma noção do liberalismo e com o comunismo, flertando com ambos de acordo a sua conveniência. Já Francis Fukuyama em seu livro O Fim da História e o último Homem esclarece que depois da derrota de Hitler o que restou para a direita como alternativa à democracia liberal foi “Um grupo de persistentes, mas afinal não sistemáticas, ditaduras militares”

O fascismo, de acordo a análise de Fukuyama, sofria de uma contradição interna. “A sua ênfase no militarismo e na guerra levou inevitavelmente a um conflito autodestrutivo com o sistema internacional. Portanto, não  seria um competidor ideológico da democracia liberal que valesse a atenção. Entretanto, Fukuyama argumenta que “neste século, a tentativa sistemática mais importante para estabelecer um princípio de legitimidade coerente, de direita, não democrático, foi o fascismo” e afirma que “o fascismo não era uma doutrina universal, como liberalismo o comunismo, uma vez que negava a existência de humanidade comum ou a igualdade dos direitos humanos”. Para Fukuyama “o ultranacionalismo fascista considerava como fonte essencial da legitimidade a raça ou a nação, especificamente o direito de ‘raças superiores’ como os alemães de dominar outros povos.

O professor e filósofo Olavo de Carvalho em entrevista ao Brasil Paralelo publicado no Youtube em 17/04/2020 deu o seguinte depoimento sobre o fascismo: “enquanto discurso ideológico, o fascismo aparece numa corrente que podemos dizer que é anti-iluminista, uma corrente um pouco romancista e anti-iluminista. Isto remonta ao começo do século XIX, prezando então as identidades nacionais, as tradições nacionais, as línguas nacionais”. O professor afirma que isto nada tem a ver com o regime fascista. Pois, “o regime fascista não surge desta fonte ideológica, ele surge dentro de uma cisão do movimento revolucionário, onde vários teóricos fascistas levantaram o problema de se a classe proletária poderia ser o agente da revolução mundial e chegaram a conclusão de que ela não podia, porque não existe proletariado mundial, só existe proletariado nacional. Ou seja, a condição proletária é definida pela condição nacional”, explica o professor Olavo Carvalho. Portanto a luta não é entre proletários e burgueses, mas entre nações proletárias e burguesa, finaliza o professor.

Ainda na mesma entrevista no Brasil Paralelo, o escritor e analista político Flavio Morgenstern esclarece que “toda a ideia do fascismo, do nacional-socialismo, das falanges, todo esse movimento fascista era a ideia da classe trabalhadora se unir nacionalmente e criar um estado extremamente eficiente, nacionalizar propriedades, nacionalizar indústrias, nacionalizar um plano de educação. A educação como libertadora porque que ela que vai fazer a classe trabalhadora se libertar daquela alienação marxista, da ideologia da propriedade”, explica Morgenstern. “Porque, através da educação você vai ter uma organização de trabalhadores, uma organização política, através da educação, contra a economia”, finaliza.

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1 Comentário

  1. Marina Vasconcelos

    Excelente documentário.