O que é o Estado? O que ele não é? Estas são perguntas que Murray H. Rothbard acredita que exista apenas uma resposta: O Estado é uma organização que não serve para nada, a não ser tirar a liberdade do indivíduo. É esta a resposta que encontraremos em seu livro Anatomia do Estado. O autor explica que o Estado é “aquela organização social que tenta manter o monopólio do uso da força e violência em determinada área; mas especificamente é a única organização da sociedade que não arrecada por meio de contribuição ou pagamento voluntário e, sim por meio de coerção”. De acordo a esta asserção o Estado utiliza-se da força coercitiva contra o povo, monopolizando-o e extorquindo-o.
Deste modo, o autor esclarece que o Estado, legalmente protegido pela lei que ele próprio cria para a sua autoproteção, atribui a si o direito de espoliar o indivíduo e a sua propriedade. Isto não é um fato novo. Em 1546 o jovem filósofo francês Étienne La Boécie (1530-1563) fez uma crítica à espoliação legal em sua grandiosa obra Discurso da Servidão Voluntária. Traduzindo ambas ideias para os nossos dias, significa dizer que o Estado monopoliza o uso da lei para obrigar o indivíduo entregar, na forma de impostos, parte do que ele produz e, desta maneira, torna-se dono da propriedade alheia. O livro “Anatomia do Estado”, neste sentido, é uma manifestação fiel dos males do Estado interventor e, assim, caracteriza-se como uma forte crítica ao gigantismo estatal. Com efeito, o autor vai mais longe e afirma que o Estado não é necessário para uma sociedade livre e feliz.
Adentrando nesta obra, fica evidente que o sistema de “produção e troca” (em que a troca é sustentada por um sistema de moeda) no curso do livre mercado, é único meio que o indivíduo tem para produzir riquezas. Para Rothbard, este é uma forma natural de se produzir riqueza sem coerção conhecida como “meios econômicos” e que se contrapõe aos “meios políticos” de se obter riqueza, este último utilizado pelo Estado espoliador (aqui ele se refere ao sistema de pensamento de Franz Oppenheimer). Rothbard argumenta que: “O Estado é o canal legal, ordeiro e sistemático para a predação da propriedade privada; ele transforma a tábua de salvação da casta parasitária da sociedade em algo certo, seguro e pacifico”. Para o autor o Estado nunca foi criado por um “contrato social; ele sempre nasceu da conquista e da exploração”.
Sobre o mal que o Estado traz à sociedade, Rothbard explica que o Estado para manter o seu domínio precisa contar com o apoio do povo e estratagemas para manter o poder e os privilégios. Um desses estratagemas é o aumento do Estado através de um funcionalismo agigantado e um sistema burocrático que sustente este funcionalismo. Porém isso não é o suficiente, alerta Rothbard. É preciso dominar a mente das massas, faze-las pensar de acordo os interesses do Estado. É aí que entram as ideologias. Somente através dela é que o Estado manterá o controle dos indivíduos.
Neste sentido, Rothbard explica que é necessário a figura do intelectual. Este, a serviço do Estado, tem a missão de incutir na cabeça das massas a ideologia do governo e em troca de erários e prestígio prestam o serviço (ou desserviço) de criar ideias que sejam favoráveis aos interesses do Estado, facilmente absorvidas pelas massas. São eles, os intelectuais, que vão ajudar o governo a criar novas necessidades para o povo, novas dificuldades, gerar conflitos programados. É neste cenário que o Estado aparece como o benfeitor. Rothbard esclarece que “promover uma ideologia entre o povo é função fundamental dos intelectuais, porque as massas não geram as suas próprias ideias e nem refletem sobre tais ideias independentemente; elas seguem passivamente as ideias adotadas e disseminadas pelo corpo de intelectuais” e, portanto, conclui o autor, “os intelectuais são os formadores de opiniões da sociedade”. Em outras palavras, o Estado cria a doença para depois entrar com a cura.
Entretanto, o autor adverte que a maior ameaça ao Estado é a crítica intelectual independente. Como o Estado tem todas as prerrogativas a seu favor ele tenta desconstruir qualquer tentativa de intelectuais independentes de se colocarem contra os seus sistemas ideológicos. Qualquer ideia contrária a ela será tratada como teoria da conspiração, meios que o Estado encontrou para desacreditar qualquer um que a ele se oponha. Segundo Rothbard, há uma dupla imbatível a favor da propaganda ideológica estatal. Ele diz que “na era atual, mais secular, o direito divino do Estado foi substituído pela invocação de um novo deus: a ciência. O domínio estatal agora é considerado ultracientífico por ser planejado por especialista”. E a tecnocracia em voga.
Entretanto, os estratagemas do Estado de coerção do indivíduo através da espoliação da sua propriedade e da privação da sua verdadeira liberdade, coloca o Estado contra a sua única fonte de sustento e existência, a saber, o capital privado. Com isto ele exauri o único meio que lhe permite levar adiante os seus planos, pois a fonte tende a secar. Sendo assim, por que o Estado submete os indivíduos a servidão, agindo como um explorador implacável daqueles que lhe são a única forma da sua subsistência? Rothbard esclarece que “Estado vive do confisco compulsório do capital privado e como a expansão dele, necessariamente envolve violações cada vez piores ao indivíduo e a iniciativa privada, podemos dizer que o Estado é profundamente e inerentemente anticapitalista”. Ou seja, podemos concluir desta expressão que quanto maior o Estado mais ele será uma força contrária ao capitalismo, ainda que desse se beneficie.
Em suma, um povo servil e dependente entrega-se a um Estado grande e acolhedor, um grande provedor capaz de suprir até a incapacidade de lidar com os próprios problemas pessoais. Um Estado grande anda de braços abertos com a corrupção. Eis a fórmula para a queda de uma nação. Das reflexões extraídas desta obra, compreende-se a necessidade de criar o Estado mínimo. Rothbard prega a extinção total do Estado. A priori, não me parece uma ideia factível, dados a uma série de considerações inerentes a própria natureza humana e as necessidades para se viver em grupos grandes como em sociedades. Talvez, este mundo libertário, idealizado por Rothbard, seja possível se for aplicado a um grupo pequeno de indivíduos, mas muito improvável quando se trata de milhões de indivíduos vivendo e se relacionando em meios a conflitos de interesses. Neste mundo utópico, a auto regulação social não duraria muito e conduziria a nação ao caos anárquico.
Um Estado mínimo e pouquíssimo interventor no meu entendimento, a opção mais viável, conduzirá o indivíduo a felicidade, pois pressupõe-se que a sociedade se sustentará sobre a delicado equilíbrio entre liberdades e direitos sob os olhos de um Estado justo, para conduzir seus súditos dentro de um sistema de ordenamento justo.