O antagonismo político entre à direita e à esquerda nasceu no seio do antigo regime francês do século XVIII, quando a França estava para iniciar a revolução que iria transformar o mundo. Depois da Revolução Francesa a política e sua relação com o poder passou por profundas mudanças que até hoje ainda há reflexos dos seus dias. A Revolução Francesa dividiu o Ocidente em direita e esquerda e foi o palco para que décadas mais tarde o mundo conhecesse a Era dos Extremos, conforme observou Eric Hobsbawm. De lá para cá a política no Ocidente oscila entre essas mais confusas e ambíguas dicotomias. Atualmente há quem diga que isto é só história e que hoje a discussão entre direita e esquerda já está superada depois da queda do muro de Berlin e o fim da União Soviética. Segundo alguns estudiosos da atualidade, o pensamento marxista que fundamenta os dogmas esquerdistas é coisa do passado e de professores marxistas frustrados. Ledo engano. Não precisa ser doutor em ciências políticas para perceber que o célebre antagonismo entre direita e esquerda não só está presente como ganhou várias vertentes. O célebre debate entre Thomas Paine e Edmund Burke na época da Revolução Francesa ecoa até hoje com a força de um trovão. O renomado político, filósofo e historiador Norberto Bobbio compreendeu muito bem isso e em 1994 escreveu Direita e Esquerda – razão e significado de uma distinção política.
Esta distinção vai além da política e sempre fez parte da história da humanidade laica e religiosa. Na criação a direita pode ser representada por Abel e a esquerda por Caim dado a natureza dos dois. Alguns estarão à direita de Deus e outros à esquerda, assim ensina os livros bíblicos. Porém, pelo menos na maior parte da história da humanidade, religião e política nunca foram partes indissociáveis. Na Anatomia humana, há os destros e os canhotos. Ensina a sabedoria oriental que tudo que existe no mundo se divide em duas partes antagônicas, mas que se completam. O fato é que a antípoda direita e esquerda se encontra em todas as áreas da sociedade, das ciências e dos sistemas de governo. Neste sentido o mundo e a história terão sempre dois lados antagônicos. Entretanto, não há dúvidas que a batalha direita e esquerda inicia-se ou pelo menos ganha um forte sentido político no ocidente, a partir da revolução francesa. Daí em diante muitos pensadores ocidentais passaram a discutir os dois lados das moedas com correntes de ideias em defesa de um lado e de outro culminando em grandes debates ideológicos.
Estas correntes de pensamento diluem-se entre o povo confundindo-os, sem que se cheguei a um consenso e sem mesmo forma um senso comum sobre o que é ser de direita e ser de esquerda. No Brasil a coisa ganha ares de estranheza que beira ao misticismo. Aqui, muito pior que no resto do mundo, a dicotomia esquerda direita é confusa, a começar pelo grande número de partidos que só complica o espectro político. É um tal de direita, extrema direita, centro direita, extrema esquerda, esquerda e centro esquerda e como já não fosse suficiente a confusão, agora falamos de um tal de centrão, estabelecendo várias vertentes para tentar situar o complicado sistema de partidos do Brasil. Porém, a noção dicotômica perdeu nos últimos 30 anos para a ideia que no Brasil não existe mais o debate entre direita e esquerda. A turma do “paz e amor” insistia em afirmar que a política todos tinham um pensamento único.
No âmbito político qual é significado desta distinção? Quais as razões que levam a sua bipolarização e antagonismo. Num mundo politicamente tal como o que hoje vivenciamos, mister se faz que exploremos a díade esquerda direita não como uma defesa ideológica, mas pela busca da compressão deste significados e razões. Bobbio busca um critério para estabelecer uma distinção entre essas duas noções. Bobbio argumenta que apesar das transformações pelas quais o mundo passou a distinção esquerda e direita ainda está presente no debate político atual e tem certamente a sua práxis, mas que agora ganha novas direções. Assim ele escreve que “agora, não se trata mais de comprovar sua legitimidade, mas de examinar os critérios propostos para a sua legitimação”. Veja, Bobbio, ainda busca um entendimento para a legitimação deste embate. Para isso, ele analisa os vários critérios que criam as distinções sobre estas díades políticas. Bobbio examina o pensamento de Laponce para concluir que no sistema proposto por este, o sistema horizontal e vertical, sendo o segundo aquele que se refere a díade direita-esquerda, representa por assim dizer uma discussão que ainda não revela o caráter da distinção. Por exemplo, Bobbio analisa o sistema eleitoral e conclui que este não representa esta díade como um instrumento da democracia. Mas assevera que embora este processo ao final representa uma escolha entre dois lados, é discutível, e assim ainda não há um critério que estabeleça a distinção e a sua permanência nos dias atuais.
Entretanto, Bobbio afirma que esquerda e direita ainda estão vivas nas suas vertentes ideológicas. Isto é naturalmente visto na sua forma da direita formada pelo fascismo e o tradicionalismo, entendida por ele como romântica, e o conservadorismo. No hemisfério de esquerda encontra-se a ideologia romântica e as suas vertentes: o anarcocapitalismo, o socialismo científico e o liberalismo se situa nos dois hemisférios conforme contexto, explica Bobbio.
A maior de todas as distinções que existem entre a direita e a esquerda política-ideológica é o entendimento que ambas tem da noção de igualdade. Para os esquerdista a direita é movida pela falta de sensibilidade frente às dificuldades dos menos esclarecidos e afortunados, portanto para ela se aplica a máxima “a cada um segundo as suas posses”. Por outro lado, a direita acusa a esquerda de criar a verdadeira desigualdade quando aplica a máxima marxista “a cada um conforme as suas necessidades”. A direita acha que é impossível uma sociedade totalmente igualitária, enquanto a esquerda acredita que somente criando as condições para a equidade é que se fará justiça. Bobbio esclarece que sendo o conceito de igualdade algo relativo, não absoluto, é preciso dizer igualdade para quem, em relação à que é com base em que critérios. Bobbio sustenta que é preciso separar a doutrina igualitária do igualitarismo. A primeira prega que todos têm direitos de acordo com as suas necessidades de uma vida justa, a segunda que a igualdade é para todos em tudo. Para Bobbio decorre que “quando se atribui à esquerda uma maior sensibilidade para diminuir as desigualdades não se deseja dizer que ela pretende eliminar todas as desigualdades ou que a direita pretende conservá-las todas, mas no máximo que a primeira é mais igualitária e a segunda é mais inigualitaria”. Um direitista acredita que há situações que não podem ser melhoradas e que algumas pessoas são desafortunadas e estão entregues à própria sorte. No máximo o que se pode fazer é aliviar-lhe o sofrimento. Já os esquerdista acreditam que é responsabilidade do Estado prover as condições necessárias para que o desafortunado deixe de sê-lo. A distinção aí é clara e Bobbio argumenta: “O igualitário parte da convicção de que a maior parte das desigualdades que o indignam, e que gostaria de fazer desaparecer, são sociais e, enquanto tal, elimináveis; o inigualitário, ao contrário, parte da convicção oposta, de que as desigualdades são naturais e, enquanto tal, inelimináveis” continuando, Bobbio escreve “manifesta-se neste novo contraste o chamado “artificialismo”, que é considerado uma das características da esquerda. A direita está mais disposta a aceitar aquilo que é natural e aquilo que é a segunda natureza, ou seja, o habitual, a tradição, a força do passado”. A concepção esquerdista diverge da direitista porque foi Rousseau que plantou esta ideia no seu “Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens” pois neste tratado considera Rousseau que o homem nasce igual e bom mas é a sociedade que o torna desigual e desta maneira ele é uma vítima da sociedade. O direitista considera que o indivíduo é o juízo responsável pelo seu infortúnio, exceto quando a má sorte é causada pela natureza.
Uma outra distinção que recai pesadamente sobre a dicotomia direita e esquerda é aquela que fala do direito à liberdade. Para um direitista a liberdade é o bem mais importante da vida do indivíduo mas há freios para ela. Neste sentido a liberdade de uma pessoa está diretamente limitada à liberdade do outro, isto porque para o espírito de direita a ordem e a disciplina são fatores fundamentais para que se aplique a liberdade de forma justa. Porém, embora os esquerdistas também aceitem a ideia de limites, para eles o limite é muito flexível. Tudo vai depender das circunstâncias. Um exemplo clássico é a questão do aborto. Para a direita o aborto é um assassinato porque mata uma vida ainda em gestação. Para a esquerda a mulher tem o direito de fazer o que quiser com o corpo dela e portanto pode eliminar o feto indesejável sem culpas. Destarte, ensina Bobbio que “além do mais, somente a resposta a todas estas questões permite que se compreenda por que existem situações em que a liberdade (mas qual liberdade?) e a igualdade (mas qual igualdade?) são compatíveis e complementares na projeção da boa sociedade, e outras situações em que são incompatíveis e se excluem reciprocamente, e outras ainda em que é possível e recomendável uma equilibrada combinação de uma com a outra“. Bobbio ver uma linha tênue que separa as duas noções e explica “mas a experiência histórica e a experiência cotidiana nos ensinam que “ordem” e “liberdade” são dois bens em contraste entre si, tanto que uma boa convivência somente pode ser fundada sobre um compromisso entre um e outro, de modo a evitar o limite extremo ou do Estado totalitário ou da anarquia“.
Para finalizar esta breve resenha de maneira dar ao estudo uma cobertura ampla sobre as duas posições políticas vamos discorrer um pouco sobre um outro valor de igual importância na dicotomia direita e esquerda. Não é por acaso que tratamos basicamente das distinções que tiveram origem na Revolução Francesa de 1789, ou seja, revolvemos a igualdade e a liberdade da tríade liberté, egalité e fraternité. Se há um problema que existe na vida dos esquerdista em graus variados é a questão da autoridade. Para o direitista autoridade é fundamental para se estabelecer a ordem e a disciplina. Suas mentes são voltadas para a hierarquia e acreditam que o comando é sempre de cima para baixo. Em contrapartida, para o esquerdista a hierarquia é um elemento altamente dispensável na boa relação de comando. Aliás, eles defendem que neste quesito o comando é horizontal, ou seja todos estão no mesmo nível. Fica claro o imenso abismo que há entre as visões de mundo entre as pessoas que se posicionam no lado direito e as visões de mundo dos que se posicionam do lado esquerdo do espectro político-social. A impressão que se tem é que existem dois mundos coexistindo o mesmo espaço físico mas que percebido de maneira diferente por cada lado.
Enfim, este é um debate inesgotável e assim como perdura desde o início do mundo e está em toda matéria conhecida e em toda natureza humana, a distinção deve continuar enquanto houver pessoas com autoconsciência e capacidade de interpretar a realidade de acordo com as suas convicções. Note que o conflito só existe na esfera humana, nas forças naturais como na elétrica, por exemplo os critérios são claros e matemáticos, portanto as forças antagônicas se completam. De fato, nada aprendemos com a natureza.