O feminismo clássico de Virginia Woolf representado em sua obra Um Teto Todo Seu poderia ser confrontado com as teorias de gênero em voga? À primeira vista, considerando que Woolf acreditava e postulava a igualdade de gênero, poder-se-ia pensar que sim, Woolf defenderia todas as teorias de gêneros vigentes. Do mesmo modo poderia se perguntar: há algum grau de equivalência entre as duas formas de pensar sobre questões de gêneros? Se Virginia Woolf se transportasse para o século XXI, em que medida ela concordaria com a ideologia de gênero? Para Woolf o homem não é superior à mulher mas sobe nas costas dela para se sentir superior. Ela apontava que,
“durante os últimos séculos, as mulheres serviram como espelhos dotados do poder mágico e delicioso de refletirem a silhueta dos homens com o dobro do tamanho real”.
Com efeito, embora o pensamento woolfiano possa induzir que há uma não concordância ao que as feministas radicais chamam de supremacia do patriarcado, convenhamos, independente da época que Woolf nasceu, as evidências contidas em suas ideias sobre igualdades de gênero nos levam a acreditar que ela ficaria impressionada com as conquistas que sexo feminino alcançaram em nosso tempo. No entanto, ela se assustaria com o que foi feito dessa conquista.
O manifesto que Woolf faz em “Um Teto Todo Seu” sugere que ela ficaria decepcionada com as reivindicações contidas na ideologia do feminismo em nosso tempo. Por conseguinte várias questões sobre o feminismo atual são levantadas quando se reflete sobre o pensamento de Woolf sobre a ideologia de gênero. Neste contexto, inquietantes questões surgem ao pensar na ideologia de gênero na concepção de Judith Butler sobre o universo feminino de Woolf. Em que medida Woolf concordaria com Judith Butler? Comparando a visão de ambas sobre o tema Woolf assim pensa sobre a igualdade de gênero:
“Por que os homens bebiam vinho e as mulheres, água? Por que um sexo era tão próspero e o outro, tão pobre? Qual o efeito da pobreza sobre a ficção? Que condições são necessárias para a criação de obras de arte?”
As reflexões de Woolf revelam apenas a suas dores e angústias contra uma sociedade machista, mas não significa que coadunam com as ideias de Butler. Há uma distância muito grande entre as teorias acadêmicas de Butler e o pensamento muito particular de Virginia Woolf sobre direitos femininos, até porque Woolf tinha respeito e admiração por muitos homens da sua época. Ela, inclusive, manteve um longevo casamento com Leonard Woolf que a respeitava e a apoiava como mulher e escritora.
Woolf compreendia que havia muitas injustiças contra as mulheres mas não parecia querer levar isso à esfera da problematização ideológica. Ela pensava sobre a questão de gênero sempre da perspectiva da vida prática, enquanto Judith Butler, como acadêmica teórica, busca problematizar as questões de gênero. Em sua obra, Woolf se refere a mulher e a ficção, ou seja, mostra o quanto ao longo da história, em questões literária, a mulher é tratada como o sexo ignorante, não se prendendo somente a esse tema, e também à opressão feminina em todos os lugares e épocas. Ela afirma:
“Os homens agora escrevem apenas com o lado masculino do cérebro. É um erro que a mulher os leia, pois irá inevitavelmente procurar algo que não vai encontrar“.
A ideia central da obra é que a mulher para ser livre precisa de independência financeira e um lugar seu para que possam fluir suas ideias.
“Por isso, quando peço a vocês que ganhem dinheiro e tenham um quarto só seu, estou pedindo que vivam em presença da realidade, uma vida revigorante, ao que parece, quer consigam ou não a transmitir”.
Vale ressaltar que a obra de Woolf trata de um pedido para uma mulher (ela própria) escrever um livro de ficção. É sobre esse tema que ela desenvolve a sua crítica em favor dos direitos das mulheres. Woolf se insurge contra a supremacia masculina sobre todas as coisas e questiona a sociedade por não reconhecer o papel da mulher como protagonista da história da humanidade.
“Vocês têm ideia de quantos livros são escritos sobre as mulheres no decorrer de um ano? Vocês têm ideia de quantos deles são escritos por homens? Tem consciência de que somos provavelmente o animal mais discutido do universo?”
Aqui ela percebe na linha do tempo a partir da ausência de obras escritas por mulheres todo o preconceito que ao longo dos séculos a mulher esteve submetida. Apenas ao final da jornada em sua biblioteca imaginária ela pode observar as mulheres despontando como escritora e sendo levadas a sério.
O que aconteceu com as mulheres ao longo da história da humanidade, segundo Woolf, é que embora as mulheres tenham conquistado muito espaço na sociedade ela cometeu um grave erro ao escrever como homem e não como mulheres, de maneira que se via nesses romance a alma masculina quando as autoras deveriam falar sobre mulheres. Há honrosas exceções, a exemplo de Emily Brontë e Jane Austen que se tornaram escritoras reconhecidas a despeito das ácidas observações que uma boa parte dos literários fazia a respeito das suas obras, declara Woolf. Entretanto, Brontë usou pseudônimo masculino para que a sua obra tivesse alguma credibilidade. A essa realidade, escreve Woolf:
“assim, surge um ser composto muito esquisito. Na imaginação, ela é de extrema importância; na vida prática é totalmente insignificante. Ela permeia a poesia de uma ponta a outra, mas está praticamente ausente da história. Na ficção, domina a vida dos reis e conquistadores; na realidade, era escrava de qualquer garoto cujos pais forçaram uma aliança em seu dedo. Algumas das palavras mais inspiradas e dos pensamentos mais profundos da literatura saíram de seus lábios; na vida real ela mal conseguia ser ouvida, não sabia soletrar e era propriedade do marido“.
Nesta reflexão Woolf mostra que a mulher se tornou uma figura do próprio homem. Que a mulher oculta a originalidade do seu pensamento e passa a escrever como homem para que o seu trabalho não seja rejeitado.
No contexto até aqui apresentado, é provável que Woolf desaprovasse o comportamento das feministas dos dias atuais, uma vez que ela não reconheceria os seus atos e perceberia espantada que as mulheres não lutaram para se tornarem aquilo que elas tanto condenaram nos homens. Essa reflexão conflita com o pensamento que a mulher feminista radicais de hoje, longe de lutar por igualdade de gênero, buscam a total aniquilação do homem e a tudo aquilo que ele representa. Woolf não era uma feminista radical. Ela pregava que era fundamental para a harmonia da vida a existência de dois sexos, desde que o sexo masculino não se achasse superior ao sexo feminino:
“Seria uma enorme pena se as mulheres escrevessem como os homens, ou vivessem como os homens, ou se assemelhassem aos homens, pois, se dois sexos não são exatamente suficientes, considerando a vastidão e a variedade do mundo, como faríamos com apenas um?”
Aqui vemos que Woolf entendia como necessário uma convivência pacífica entre homens e mulheres. Os papéis de ambos convergem em alguns momentos e em outros convivem no mesmo espaço sem que o homem tenha que pensar e agir como mulher e a mulher como homem.
Por fim, as mulheres conquistaram muito espaço na sociedade que antes era restrita aos homens. O tempo mostrou que não há diferença entre os sexos e que tanto o homem quanto a mulher em nossa sociedade atual podem e devem habitar os mesmo espaços, terem os mesmos direitos e oportunidades. As mulheres avançaram muito em suas conquistas sociais. Isso não significa que não há mais o que reivindicar. Ainda existem preconceitos contra as mulheres enraizados nos atos mais banais. O que ocorre hoje é que elas dispõem de mais condições para lutar pelos seus direitos. Entretanto, Woolf mostrou que as mulheres não precisam se tornar inimigas do homem e muito menos querer ocupar o seu lugar.
Cada um no seu papel, ocupando os mesmos espaços na sociedade e tendo as mesmas oportunidades, será capaz de construir uma sociedade justa e humana para ambos os sexos. As mulheres nasceram com um papel fundamental de perpetuar a humanidade. Esta é a única condição que o homem jamais alcançará. Somos quase 8 bilhões de habitantes e cada um de nós estivemos no ventre de uma mulher. Jesus Cristo esteve no ventre da sua mãe Maria. Bilhões de Marias deram origem à humanidade. O que significaria se as nossas mães, ao defender que seu corpo é seu império, decidisse nos abortar? Seria o fim da humanidade. Eis aí um nobre papel das mulheres que o homem jamais ocupará. Por outro lado, as mulheres querem realizar tanto quanto o homem nos mesmos espaços do homem. Elas precisam desse espaço para mostrar a sua capacidade intelectual e emocional para produzir, criar e ensinar. Portanto, não precisamos viver numa sociedade em que o homem vai para um lado e as mulheres para o outro. Woolf escreveu,
“Toda essa insistência em colocar um sexo contra o outro e uma qualidade contra a outra, toda essa pretensão de superioridade e imputação de inferioridade pertencem ao estágio escolar da existência humana, no qual há “lados” e é necessário que um deles vença, e no qual é de máxima importância caminhar até um palco e receber das mãos do diretor em pessoa um troféu altamente ornamentado. Conforme as pessoas amadurecem, elas deixam de acreditar em lados, em diretores ou em troféus altamente ornamentados“.
Grandes poderes implicam em grandes responsabilidades. Não há como fugirmos disso. Homens mulheres nasceram para se completar e não para a divisão. No entanto não podemos esquecer que independente do sexo somos todos seres sencientes, emotivos. Temos necessidades próprias e sonhos pessoais. Como vivemos no mesmo mundo, homens e mulheres participam do mesmo espaço com os mesmos anseios e perspectivas. Já a guerra de gênero em nada contribuirá para nos conduzir a uma sociedade justa e próspera. Somente o amor a maior obra de Deus, que somos nós, os frutos da Criação, é que nos conduzirá à vida plena de amor e satisfações pessoais. “Amai-vos uns aos outros como vos amei” ensina o Nosso Senhor Jesus Cristo. O feminismo radical só nos leva à destruição ao propagar o ódio aos homens. Mulheres e homens, amai-vos uns aos outros, assim como Deus vos ama. Boa leitura!
Deixe um comentário