o terrorismo intelectual

Quando pessoas simples são enganadas por pessoas com ideias que prometem salvar a humanidade e transformar a terra em um paraíso, entendemos que falta à essas pessoas a capacidade para compreender, discutir e refutar tais ideais. Mas, e quando são os intelectuais que se deixam levar por utopias e vedam os olhos para o horror e a violência que estas idéias apoiam e legitimam? Os intelectuais esquerdistas após o fracasso do socialismo soviético, diante dos seus próprios fracassos em reconhecer os seus erros em aplaudir o mal, buscam a redenção em outras freguesias. Se Stalin não é mais o caminho, então vamos para Mao, ou Fidel ou qualquer um outro capaz de manter o sonho de construção do novo homem. Os messias morrem, doravante esses intelectuais fazem nascer outro do seio da sua ignorância e cegueira.

O tempo passou e tudo continua como em 1968. Hoje temos nossos Sartre,  Deluze, Marcuse e Simone Benvouir. Continuamos nos refugiando nas drogas, quebrando os tabus, dando lugares ao relativismo moral,  ao sexo, destruindo valores e enaltecendo narcisos.  Nada mudou. Se em 1968, toda uma juventude desperdiçou mocidade com tantas bobagens anárquicas, hoje a juventude vagueia como zumbi nas ruas e vielas da sociedade alternativa, monstruosa e sem sentido.

 Foram os intelectuais dos anos 60 e 70 os responsáveis pela desgraça em que a sociedade se transformou. Eles propagaram as suas idéias aos gritos para milhões de ouvidos entupidos da cera da ignorância e da cegueira coletiva que não percebe que os intelectuais que preconizavam o paraíso, nos levaram para o inferno.

Jean Sévilla, jornalista francês retrata em seu livro O Terrorismo Intelectual, esses homens e mulheres que se achando dotados de inspiração cósmica, tentaram mudar o mundo e só conseguiram destruí-lo. Com agudeza e perspicácia Sevilla analisa a esquerda que após a Segunda Guerra Mundial reinventou-se da pior forma possível.

Em 1973 Alexandre Soljenitzyn, matemático e físico Russo, após se libertado das prisões Russas escreve o livro Arquipélago Gulag em que revela os horrores do regime socialista na União Soviética e a crueldade dos campos de concentração. As revelações feitas por Soljenitzyn foram um duro golpe na crença da intelligentsia européia que via, nos Gulag um local disciplinador porém humanizado apesar das informações que chegavam a todo momento. Sevílla explica que:

“Arquipélago Gulag abre caminhos para as reflexões que se aprofundarao mais tarde: a rejeição ao materialismo moderno, a defesa dos direitos da alma, apelo à uma regeneração espiritual da Rússia. Soljenitzyn não é apenas anticomunista, é também cristão e patriota. “

Reflexões por capítulos

 

Stalin sempre tem razão

“O objetivo da educação comunista é a eliminação de qualquer traço de individualidade. O culto rendido aos chefes demonstra como seus partidários abdicaram de toda reflexão crítica. Eluard, por exemplo, escreveu poemas à glória de Stalin, ditador que era visto pelo filósofo Jean Desanti como “o modelo do novo sábio”. Um militante não pensa por si mesmo, o Partido é que se expressa por meio dele. Quando evoca sua juventude comunista, Alain Besançon acha graça, quando se lembra das reuniões realizadas nas células, dos comentários que ali se faziam sobre os diversos acontecimentos, sempre a cargo de voluntários: “Não havia, por parte daquele que estivesse encarregado de repassar as informações, qualquer reflexão pessoal”.

Os colonistas, esses criminosos

 “A Terceira República acreditava que suas decisões relativas às colônias nada tinham de censuráveis. Ao relermos textos do século XIX, deparamonos com aspectos surpreendentes. Ernest Renan, reverenciado por livrespensadores, expressava-se em termos, hoje, proi oitivos: “A conquista de um país de raça inferior por outro de raça superior, que ali se estabelece para governa-lo, nada tem de chocante”. Jules Ferry, pai fundador da esquerda laica e republicana, também pensava assim: “É preciso admitir que as raças superiores possuem certos direitos em relação às raças inferiores. Reitero que as raças superiores possuem direitos porque a ela também cabem obrigações. Elas têm o dever de civilizar as raças inferiores”.”

“Os intelectuais foram os primeiros a deixar de acreditar no império. Arautos da descolonização, sentem-se investidos de uma missão: preparar a opinião pública para o abandono dos territórios ultramarinos. lnicial mente, esses mensageiros são recrutados na esquerda marxista Césaire, comunista e presidente da Câmara dos Deputados de Fort-de-France, protesta: “Ninguém impõe o jugo colonialista impunemente: mesmo o mais humanitário e mais cristão dos burgueses do século XX carrega dentro de si um Hitler em potencial. Sentindo-se culpados, os cristãos também aderem à causa. Assim como François Mauriac, que se lamenta no seu Bloc-Notes: “A responsabilidade dos fellagha não atenua em nada a que pesa sobre nós há 120 anos, um peso que se revela cada vez maior a cada geração” (2 de novembro de 1954). Mas o anticolonialismo também tem adeptos entre os militantes de direita. A versão pertence a Raymond Aron, para quem a herança colonialista penaliza economicamente a França e atrasa a integração européia. A versão populista cabe ao jornalista Raymond Cartier: “Mais Corrêze, menos Zambeze”.”

Uma revolução nos trópicos é muito conveniente

“Para os revolucionários, a estrela do stalinismo havia se apagado. A União Soviética não implantou o tão esperado socialismo. Se a Quinta República parece estabelecida, então deve haver esperança em algum outro lugar Os povos menos favorecidos, a descolonização o provou, são capazes de vencer a burguesia: sua experiência mostrou o caminho.

Para matar sua sede de utopia, os intelectuais descobriram uma nova fonte: o Terceiro Mundo. Essa expressão foi inventada por Alfred Sauvv em um artigo do Observateur (14 de agosto de 1952): “Finalmente, esse terceiro mundo ignorado, explorado, desprezado como o terceiro Estado, também quer se desenvolver”. Emergem nações na Ásia, na África ou na América Latina que almejam se libertar da tutela ocidental, o que leva a esquerda a voltar seus interesses para essa nova perspectiva.

Países pobres contra países ricos a dialética de sempre do oprimido e do opressor. O papel de agente revolucionário, reservado até recentemente à classe operária, pertence agora às populações nativas. Em escala mundial, trata-se de uma gigantesca luta de classes, cujo sistema de referência é Marx e Lenin, para quem o imperialismo era o “grau máximo do capitalismo”. Mas a semântica e a geografia modificam o campo de batalha. O messias não é mais o proletário de Aubervilliers, mas o guerrilheiro dos Andes ou o camponês que vive às margens do rio Amarelo. O marxismo revisita o mito do bom selvagem.”

 

É proibido proibir

“Uma geração exaltada e nervosa. Demasiadamente exaltada para se satisfazer com a disciplina moderada dos comunistas franceses, demasiadamente nervosa para ser tolerada pela direção monolítica do Partido. De 1965 a 1966, esse grupo é soberano no comando da UNEF, mas é excluido da União dos Estudantes Comunistas. Alguns seguem Krivine, já trotskista, que lança a Juventude Comunista Revolucionária. Outros participam da fundação da União das Juventudes Comunistas Marxista-Leninistas – de tendência maoísta. E há os que preferem esperar, embora não saibam exatamente o quê. Mas não tardarão a descobrir.”

“A França está entediada, sua juventude também. A insatisfação manifestada pelos estudantes tem origem em causas reais: superpopulação, instalações impróprias, sistema de seleção inadequado, falta de alternativas. A universidade forma seus estudantes dentro de um sistema fechado, seguindo um modelo de funcionamento que não se alterou desde os tempos de Napoleão. Formalismo abusivo e centralismo jacobino dão forma à sociedade francesa. Lançados nesse universo, os jovens, a quem os Trinta Gloriosos oferecem apenas um ideal econômico, estão a ponto de explodir. Buscar um sentido para a vida, aos quinze ou vinte anos, não é mais uma questão de romantismo é necessidade profunda. “Não nos apaixonamos por uma taxa de crescimento”, ostentam os muros do Quartier Latin. Quem ousaria contestar esse protesto?

Infelizmente, essa juventude será feita refém. A geração iê-iê-iê alimenta o rock com as duras necessidades da trilogia levantar-trabalhar-dormir e não se preocupa com política. Mas a política vai ao seu encontro. Anarquistas, trotskistas e maoístas lustram suas armas para a Grande Noite. A lotação estará esgotada. Mas um mês inteiro de festas fará com que a esquerda converta-se em destino de uma grande massa de operários e, por muitos anos, represente uma forte dominação sobre os espiritos.”

“Após os eventos de maio, a primeira providência a ser tomada é a recuperacão dos alicerces da sociedade. Nação, Estado. família, educação, empresas, Exército, Igreja, tudo é considerado material de demolição.

Entre os intelectuais, esse reordenamento se efetiva por intermédio de um instrumento conceitual o estruturalismo. Louis Althusser preconiza o “núcleo cientifico irrecusável” do marxismo; Jacques Derrida “desconstrói”; Roland Barthes acusa a lingua de “fascismo”; Jacques Lacan acomoda a Rive Gauche no divã; Michel Foucault, Gilles Deleuze e Félix Guattari reabilitam o delírio. Apoiado na trindade dos “mestres da suspeita” (Marx, Nietzsche e Freud), temperado com a estrutura psicanalítica de Herbert Marcuse, o pensamento de 1968 empreende uma pulverização  total. indivíduos e instituições são acometidos por essa enfermidade, especialmente na esfera cultural. O ministro da Cultura, Maurice Druon, provoca um verdadeiro protesto dos meios de comunicação, em 1973, ao colocar frente a frente os contestadores e suas contradições: “Aqueles que batem à porta deste ministério trazendo um prato de comida em uma mão e um coquetel molotov na outra precisam decidir o que querem”.

““É proibido proibir”. O célebre bordão exprime a essência filosófica do pensamento de 1968: o individualismo radical. Toda autoridade pode ser contestada. Toda pressão é suspeita. A moral, as estruturas sociais, as tradições e a cultura clássica são consideradas escravizantes. O que conta é a satisfação das necessidades individuais. Só existe um único ideal: “realização pessoal”, sem recuar diante de qualquer tabu. Não há mais normas objetivas sobre o bem e o mal; perdeu-se completamente a noção de erro. Não e’ o delinquente que é culpado, mas a sociedade.”

 

Liberdade, igualdade, sexualidade

“O casamento não é mais o marco fundador de um casal”, constata o ultimo relatório do INED (dezembro de 1999) Nesse processo evolutivo,o momento em questão influencia significativamente a mudança dos costumes. É a epoca do culto à busca da felicidade e da auto-realização, do cultivo da liberdade de escolha, do gosto pela mudança, da satisfação dos impulsos. O casamento, na qualidade de compromisso de longa duração, parece uma prisão insuportável.”

“Para a esquerda, herdeira do Maio de 68, toda estabilidade é  uma frustração, toda permanência é uma prisão, toda fidelidade é uma castração. A família inibe. A família asfixia o indivíduo. A familia representa a moral retrógrada.”

“Alguns ousam advertir que, em matéria de sexualidade, a destruição de barreiras morais, de convenções culturais e de concepções religiosas não pode ser considerada um progresso. Que os bloqueios de outrora não emm arbitrários. Que esses entraves atendiam a uma necessidade ao mesmo tempo humana e social. Que o homem é resultado de um conjunto formado pelo espírito e pelo corpo. Que a sua grandeza está diretamente relacionada com a sua capacidade de responsabilizar-se pelas próprias acoes. Que o amor está vinculado ao respeito. Que conferir um sentido ao ato sexual é um sinal de civilização Que a fidelidade e uma virtude. Que a reconstrução da família é uma necessidade.”

“Bem dentro da própria pele? A homossexualidade sempre existiu e sempre existira. Os homossexuais são cidadãos como os outros, com os mesmos direitos e obrigações. Frequentemente, pertencem ao universo das artes, o que lhes confere uma sensibilidade tal que beneficia toda a coletividade. Mas a homossexualidade possui características singulares, sua contribuição à sociedade não é equivalente à de uma relação entre homens e mulheres a perenidade do gênero humano nada lhe deve. Essa diferença não pode constituir um modelo de comportamento, a não ser que se pretenda eliminar dos princípios fundadores de uma sociedade a dimensão de futuro.”

“Trinta anos depois do Maio de 68, não resta qualquer dúvida de que a roda da história deu uma grande volta. A geração que está no poder passará. E precisaremos redescobrir o sentido da vida, reconstruir a moral, reestruturar a familia. Tudo é possível, se os jovens quiserem.”

A intelligentsia percebeu os erros cometidos, mas para ela, os fins sempre justificam os meios. Para salvar a humanidade é necessário certos sacrifícios: a morte de milhões de pessoas por exemplo. A partir desta visão, Sevílla discorre sobre o que ele chama de horror dos intelectuais da esquerda francesa. A tática para manter vivos os ideais marxistas é o terrorismo sistemático que se espalha feito um câncer.

O Terroismo Intelectual foi publicado no Brasil em 2009 pela editora Peixoto Neto com tradução de Regina Bracco

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