Falar de Otto Maria Carpeaux é muito complicado, não porque tudo que deve ser dito e escrito ao seu respeito já foi feito, mas porque quase sempre caímos numa prosa comum para falar de uma personalidade tão esplendorosa. Portanto, nada precisa ser dito sobre Carpeaux, pois a sua obra é a sua vida e nela está registrada o essencial de Carpeaux:  o homem e a sua história.

“A História Concisa da Literatura Alemã”, é uma das obras de Otto Maria Carpeaux mais conhecida e talvez o maior tratado sobre a literatura germânica de todos os tempos. Talvez esteja abaixo apenas da monumental História da Literatura Ocidental uma das mais fabulosas criações do intelecto e que é de autoria do Carpeaux. Certamente quem quiser ter o mínimo de conhecimento sobre a literatura alemã, deve colocar esta obra de Carpeaux como leitura obrigatória. Foi com relutância, segundo a crítica especializada, que Carpeaux aceitou escrever A História Concisa da Literatura Alemã publicando-a em 1963, ano que marca a entrada da literatura alemã no Brasil e nos proporciona acesso às origens do romantismo.

A obra inicia-se em A literatura dos cavaleiros, capítulo que descreve o momento em que há a transição para a Idade Média e que deixa a marca dos amores e aventuras dos cavalheiros registradas pelas tintas de grandes nomes da época como Vogelweide (1170-1230), Von Strasbourg (1210) e Von Eschenbach (1200-1220) e que inspirariam Richard Wagner (1813-1883) a produzir outras sublimes criações: Tristão e Isolda e Parsifal. Este foi um período em que o que foi produzido seria recriado depois revestido dos novos tempos como Carmina Burana e a Canção de Nibelungos pelos monumentais talentos de Richard Wagner e Carl Orff. Mas ainda não é aqui o início da literatura alemã. Ainda há de passar pelo Outono da Idade Média, de Johan Huizinga (1872-1945), pelo humanismo de Erasmo de Roterdã (1466-1536) e pelas reformas de Martinho Lutero (1483-1546), consumando o divórcio, como assevera Carpeaux – “o autor anônimo é bom luterano, condenando o Humanismo. O divórcio está consumado. ”, terrenos preparados para as mudanças na alma alemã que estava por vir, pois esta seria abalada pelas |Guerras dos 30 anos, neste caso já estamos falando do Barroco e do começo da literatura alemã. Carpeaux explica que “nasce assim uma literatura social e regular, produto artificial do esforço de grupos de aristocratas cultos e de juristas em alta posição burocrática, também de alguns teólogos protestantes e cientistas. É a literatura do barroco alemão. ” Entretanto havia críticas para este berço da literatura alemã e Von Boberfeld (1597-1639) pagaria o preço ao ser criticado pelos opositores a “mentalidade barroca”. Esclarece Carpeaux: “Cysarz descreveu bem a dialética da psicologia dos homens do barroco alemão: usam fantasia grotesca de palhaço e movimentam-se em solene dança de baile da corte… passam a vida engolindo volumes enormes de erudição abstrusa nas bibliotecas… são vítimas da peste, da pilhagem, da queima de bruxas e feiticeiros… querem dominar a vida pela força: a religião, o Estado, a guerra, o amor. São beatos, maquiavélicos, brutais e lascivos e são mártires. ”

Eis um retrato que deprime a literatura alemã do período barroco, mas reveladora quanto a natureza do povo alemão. Isto terá consequências desastrosas muitos séculos depois, na “era dos monstros”. Contudo, para Carpeaux o período foi salvo pelas obras de Johann Sebastian Bach (1685-1750) e Johannes Scheffler (1624-1677), um que sob a influência do transcendente criou as mais belas músicas de todos os tempos, e o outro pela sua devoção religiosa que transita entre a mente cristã e o panteísmo, mas que ele considera o maior poeta católico do barroco alemão. Ele comenta que “no início dos anos 1700 que a Alemanha era é o únicos pais da Europa civilizada sem literatura alguma. ”, salvo apenas pelos trabalhos de Bach, que para Carpeaux resgatou o período e a alma alemã, mas estavam abertas as portas do Racionalismo.  Carpeaux antes assevera que “A literatura alemã verdadeira só começou no século XVI, para ficar logo interrompida pela catástrofe do Humanismo, pelas vicissitudes da Reforma e pela catástrofe maior da grande guerra. ” Entre a religiosidade dos Pietistas e os novos horizontes propostos pelos Racionalistas, a Alemanha preparava-se para adentra no período em que haveria reconhecimento da sua literatura. Este período, século XVIII, divide-se então em duas fases e é o anúncio do pré-romantismo, representado principalmente por Lessing (1729-1781), Carpeaux explica que “A história da literatura alemã do século XVIII pode ser dividida em duas fases: antes de Shakespeare-Wieland e depois de Shakespeare-Wieland. ”

O pré-romantismo, ou sturn und drang (literalmente tempestade e impulso) é o capítulo que descreve o início das fases mais importantes na literatura alemã. Carpeaux sustenta que o pré-romantismo é marcado pela revolta do povo alemão contra o racionalismo: “Como todo pré-romantismo europeu, os dos alemães também é uma revolta do sentimento contra a razão e do sentimentalismo contra o racionalismo. ” Essa fuga do racional, será reforçada em breve pela obra Os Sofrimentos do Jovem Werther, de Goethe (1749-1832), que para Carpeaux é o gênio do sentimento. Todo esse sentimentalismo era influenciado pelas obras de Shakespeare, donde a natureza humana era o alicerce das suas obras levadas à consciência literária alemã por Von Herder (1774-1803), que segundo Carpeaux, sem Herder Goethe não teria sido o que foi.

Assim, a leitura desta estupenda obra, eu diria, é obrigatória para quem deseja conhecer o pensamento alemão dos séculos XVI ao XIX e compreender através destas, todas as transformações que o romantismo alemão provocou, sua lógica e consequências.