Uma mensagem para o século XXI que transmita esperança para a humanidade não conseguirá atenuar todo o sofrimento pela qual passou a humanidade no século XX, mas trará sim a esperança de um mundo melhor. O terrível século XX representou como nenhum outro a parte mais trágica da nossa história na terra. Como diria Thomas Hobbes, foi guerra de todos contra todos. Dentro ou fora do campo de batalha, o homem foi o lobo do homem. Nesta hecatombe talvez tenhamos matado mais em 100 anos que em toda a história da humanidade. Tudo muito bem legitimado.
Um século para ficar na história dos horrores
Muitos tentaram compreender o fatídico século XX. Muitos outros se encarregaram de legitimar as barbáries cometidas em nome de algo que lhe fugia a compreensão. Outros, porém, foram seus executores, algozes da humanidade.
Para Eric J. Hobsbawm, autor de Era dos Extremos, foi o século em que o ódio, a brutalidade, os vícios, a arrogância e a prepotência atingiram níveis jamais vistos na história do homem. Para J. O. de Meira e Pena, autor de A Ideologia do Século XX, foi a era das ideologias que subverteram a moral em nome de uma ética perversa. Para Raymond Aron, autor de O Ópio dos Intelectuais, foi um período em que a inteligência esteve à serviço do mal. Todavia, para a maioria dos mortais, o século XX representou nada mais que sofrimento indizível, dores atrozes e mortes em números inimagináveis. Estava decretado o declínio da civilização, o fim do homem, o fim da história conforme imaginaram Marx e Hegel. Foram tempos em que a ciência e as ideologias caminharam juntas para concretização do Apocalipse. Assim fora o século em que não queríamos ser iguais a Deus, mas estar acima do próprio Deus, para então recriar o homem segundo a sua reformulada natureza e assim, fazer surgir uma nova concepção civilizacional.
As esperanças de um homem
Com efeito, apesar do sempre presente otimismo dirigido ao futuro, quando olhamos o século passado pensando no século XXI, vemos refletido no espelho um futuro sombrio. Muitos pensadores tem se interrogados sobre os passos futuros da humanidade. Alguns nutrem esperanças por um mundo mais humano, outros, mas céticos, dobram o joelho como na balsa de medusa. Alguns desses homens, que viveram a experiência dos horrores do século dos extremos, deixaram como o seu derradeiro legado uma mensagem para o século XXI. Um desses homens foi Isaiah Berlin.
Com seus 92 anos, foi testemunha ocular da tragédia humana. Presenciou a eclosão de duas grandes guerra, viu o nacionalismo tomar conta das nações. Presenciou a expansão de governos totalitários, viu o florescimento das utopias reveladas nas palavras e ações de homens doentes, viu o falecimento de regimes e a ascensão de outros.
O que aprendemos com o século XX
Consciente destes grandes problemas da sua era, Berlin pensou profundamente sobre as causas e as consequências da loucura dos homens do século XX. Como um homem preocupado com o seu tempo, produzira obras de vasto valor para a humanidade. Entretanto, já próximo do fim da sua vida, Berlin escreveu as suas mais breves reflexões sobre o século passado em que mais que uma análise do fatídico século XX deixou uma mensagem esperança para a humanidade. O livro é Uma Mensagem para o Século XXI.
Berlin medita nesta pequena obra sobre o fato de que estamos vivendo tempo contraditórios em que nossos interesses e sonhos conflitam. Os sacrifício feitos diante das possibilidades vêm das nossas escolhas, face a um mundo em constante transformação social e intensa ebulição das ideias conflitantes. No anseio do homem em conquistar o homem, conforme afirmou Berlin, em situações concretas nem todos os pedidos tem a mesma força. Entende-se aqui pedido como o anseio, a necessidade de realização humana frente a sua própria inconstância. Berlin sustenta que não dá para ter tanta liberdade e tanta igualdade, não dá para aplicar a lei em sua totalidade valendo-se das suas prerrogativas e ao mesmo tempo esperar a redenção da condição humana. Esta situação nos faz acreditar que vivemos com muitas dúvidas e que nos encontramos sempre no limiar do certo e do errado.
As ideologias são a forca motriz que pode conduzir a humanidade ao inferno ou ao paraíso. Foram as ideias que arrasaram o século XX e inicia o século XXI nas cinzas das suas utopias. O idealismo do século XX influenciou os homens de ação e este agiram sob a influência dos ideólogos. Estes homens, os ideólogos, agiram em silencio, observa Berlin, de tal maneira que suas vozes silenciosas fertilizaram a mente dos psicopatas e encantaram o mundo dos intelectuais. Berlin argumenta que “há homens que matam e fere com um consciência assaz tranquila sob a blindagem de palavras e escritos daqueles que possuem a fé inabalável de que a perfeição pode ser alcançada”. Esses homens buscaram não a verdade em si, aquela verdade suprema que nos guia a um só destino, que nos fazem compreender que somos uma centelha do universo. Eles queriam a sua verdade.
A busca pela verdade não é apenas um meio para a felicidade e liberdade, nos adverte Berlin, pois os caminhos que levam à verdade nos colocam diante de escolhas sempre conflitantes, embora necessárias. Daí vem o que ele chama de equilíbrio “o melhor que pode ser feito, como regras geral, é manter um equilíbrio precário que prevenirá a ocorrência de situações desesperadora, de escolhas intoleráveis – essa é a primeira exigência para uma sociedade decente pela qual valera sempre lutar”.
Depois do horror ainda há esperança
O mundo do século XX conheceu o horror graças as ideias de homem como Karl Marx, cujos sonhos e delírios se revelaram ao tentar criar as condições para o nascimento do novo homem. Este inspirou Lenin, Stalin e outros seguidores marxistas e com isso massacrou a humanidade matando milhões em nome das ideologias. Assim outros algozes da humanidade se deixaram influenciar. As ideias são perigosas quando utilizadas pela busca da perfectibilidade. São perigosas, porque os homens não são perfeitos e na sua eterna luta pela compreensão de si, cria-se os terrenos sob os quais as ideologias florescerão. Todo o sistema de ideias é por definição um caminho para a construção de ideologias. Elas não são ruins, porque são conjuntos de ideias sob as quais o homem se reconhece e cresce. Todavia, o problema delas é quando são elaboradas para dar legitimidade ao mal.
Berlin deixa uma mensagem de esperança para o homem que acredita na sua pequenez e, humilde, se dobra diante da grandeza daquilo que ele não compreende, Deus. Para os que querem reconstruir o homem a sua semelhança, fica o convite de Berlin para lançar um olhar para o século anterior e refletir que tipo de futuro se quer para a humanidade.
A message to the twenty-fisrt century
João Leopoldo Junior
O autor foi eloqüente nas suas colocações. Apesar de concordar com a afirmação do quanto de sangue foi derramado no século XX, penso que devido a natureza humana foi previsível e esperado. Desde o tempo das cavernas que há conflitos e diferentes ideais, que levam grupos políticos, religiosos e sociais ao embate, o que diferenciou o século XX foi a globalização desses conflitos, pela revolução tecnológica e industrial, que diminuiu significativamente as limitações geográficas.
Tenho uma visão mais pessimista sobre o futuro, com a explosão populacional e a escassez de recursos naturais, a humanidade pode tornar-se a praga que irá dizimar a vida nesse grande organismo que é a terra. Não vejo mudanças de atitudes globais, há nichos de pensadores, religiosos, políticos e cientistas preocupados com o amanhã, porém é muito mais fácil convencer grandes grupos a continuarem nos maus hábitos do que a uma mudança difícil e que nos tira da nossa zona de conforto. Pensar hoje tornou-se exceção, as pessoas querem soluções prontas e fáceis, querem ouvir algo que validem o seu estilo de vida e ratifique seu pensamento materialista, egoísta e fútil.
Sinceramente, espero estar errado.