Nos últimos cinco anos uma “onda conservadora” brotou em solo pátrio. Não há dúvidas de que alguns personagens foram responsáveis, com destaque para Jair Bolsonaro, atual presidente do Brasil, e para o professor e filósofo Olavo de Carvalho, falecido em 2021. Sob o lema “Brasil acima de todos e Deus acima de tudo” o presidente Bolsonaro foi um dos mais notórios a surfar na crista desta inusitada onda aqui no Brasil. Pátria, família e valores cristãos deram o tom para a melodia conservadora que se instalou em nosso território nacional do Oiapoque ao Chuí. É verdade que a “febre conservadora” não só se instalou por aqui, mas vê-se em todo o mundo, conforme evidenciado nas últimas eleições para presidente em vários países, nem sempre significando vitória da ala direita, mas quebrando, sobretudo, a hegemonia da esquerda na disputa presidencial.
O fenômeno causa mais espanto e estupefação, já que a esquerda estava no poder desde 1985. Em 2018 uma parte do povo brasileiro põe um freio na hegemonia das esquerdas com a eleição do então candidato de princípios conservadores Jair Bolsonaro para a presidência do Brasil. Não há dúvidas que a vitória de Jair Bolsonaro trouxe ânimo e autoridade para um movimento conservador que germinava lentamente no Brasil regado pela insatisfação com o governo petista. Com efeito, esse despertar colocou uma parte da população do lado conservador. Agora uma nova imprensa conservadora, antes impensável, toma voz e forma opiniões; a polarização se faz presente; partidos conservadores surgem a todo vapor. Nunca se debateu tanto sobre “ideias” políticas no Brasil. A política está na boca do povo.
Mas, será que todo esse contingente de conservadores nascido de uma insatisfação e não de uma ideologia são de fato conservadores? O que sabemos sobre o conservadorismo além da defesa dos valores pátria, família e liberdade? O professor e filósofo Olavo de Carvalho alertava para o fato de no Brasil, apesar do entusiasmo com que muitos se dizem conservadores, estes passam bem longe da filosofia de Edmund Burke, G. K. Chesterton, T. S. Elliot, Michael Oakeshott e tantos outros pensadores que deram imensas contribuições para a construção de uma filosofia conservadora. A julgar pelos discursos propagados pelas mídias televisiva, jornalística e digital, o que se vê não é um movimento conservador sustentado sobre bases filosóficas e ideias políticas. Mas uma onda que como tal se desmancha assim que chega ao seu destino. Sendo assim, falta aos conservadores em nossas terras uma profunda base de conhecimento sobre o que é o conservadorismo. A literatura é, e sempre será, o maior veículo e fonte de conhecimento sobre o conservadorismo. Neste contexto e que apresentaremos o livro Como Ser um Conservador do filósofo Roger Scruton.
Um dos mais notáveis filósofos do conservadorismo que muito influenciou a atualidade é o inglês Roger Scruton, uma irreparável perda em 2020, que deixa um legado para todos que estudam a filosofia conservadora. Diz-se que ele foi apresentado à literatura política e filosófica no Brasil pelo Olavo de Carvalho. Nenhum pensador fez defesas mais elegantes e profundas ao conservadorismo que Roger Scruton. Dono de uma vasta literatura filosófica e estética, Scruton escreveu diversas obras a respeito. Entre elas, destaque para Como Ser Um Conservador seguida de Conservadorismo e O que é Conservadorismo. São livros que todos aqueles que pretendem compreender o conservadorismo antes de sair por aí dizendo “sou conservador” e falando a respeito devem ler. As obras do Olavo de Carvalho também são recomendadas. Na obra Como Ser Um Conservador Scruton escreve um pouco sobre a sua jornada rumo ao conservadorismo. Todavia, ele faz explanações magníficas sobre a sua visão da política, da economia, do homem e da sociedade sobre o enfoque conservador. Desta maneira Scruton defende a tradição a partir de reflexões sobre o nacionalismo, capitalismo, democracia, socialismo e conservadorismo. São capítulos que ele chama de “as verdades”.
Para Scruton essas verdades representam a forma como o conservador vê o mundo, ou seja, como o constrói a sua cosmovisão. Para ser um conservador é necessário compreender que vínculos afetivos são partes inseparáveis entre indivíduos e coisas. Scruton ensina que ao construirmos fortes laços afetivos com o território, com a família, com o outro erguemos a base sob as quais se sustentam toda a filosofia conservadora. O amor pelo território não é o mesmo que nacionalismo. Isto porque a relação de amor com o território nasce de um profundo vínculo com a cultura local, com as pessoas com as quais construímos uma identidade. Isso não é ideologia. É reconhecer que ali estão a sua história em rede com tantas outras e construindo uma identidade coletiva.
Preservamos o que levamos muito tempo para construir, por isso a defesa compulsória das nossas instituições que nos são tão caras. Por isso preocupa ao conservador a defesa do seu território e costumes quando ameaçados por imigrações descontroladas. O conservador não se opõe aos estrangeiros, mas não aceita de jeito nenhum que nossas instituições e costumes sejam modificados para recebê-los. Entendemos que estes devem se adequar à nossa cultura e hábitos; esperamos que entendam que agora são as nossas instituições e leis que devem obedecer e respeitar.
Mergulhando na leitura aprendemos sobre as verdades que ensinam o viver conservador. Scruton explana que tolerância “significa estar preparado para proteger as pessoas da discriminação negativa, mesmo quando odiamos o que pensam e o que sentem”, tolerância todavia não significa perder nosso espaço, abandonar nossos hábitos e costumes. Quem chegar precisa estar disposto a mudanças e entender que ali há recepção mas não encontrará a sua cultura e sim a de outro e isso precisa ser respeitado. Tolerância e renúncia não são face da mesma moeda. É necessário sentimentos altruísticos de ambos os lados, é verdade. Essa não é a visão dos socialistas.
O conservador defende que o Estado não deve ser intervencionista na proporção criticado por Ludwig von Mises e nem deve ser o Estado zero como propõe libertários como Murray Rothbard. Na concepção do conservador o Estado ideal tem o papel na proteção do cidadão, sua família, território e propriedade. A relação entre ambos é de lealdade onde o primeiro vê no segundo um compromisso que vai muito além do contrato social. A liberdade é cara ao conservador e o Estado deve garantir a liberdade como um valor intrínseco a esta relação. Não confundamos que a liberdade que pensa o conservador não tem limites. Ela se ampara na lei pois acredita que é verdadeiramente livre o cidadão que respeita a Lei. “A soberania individual só existe” adverte Scruton, “onde o Estado garante os direitos, tais como o direito à vida, à integridade física e à propriedade, protegendo, desse modo, os cidadãos de violação e coação de terceiros, incluindo da violação e da coação praticadas pelo Estado”. Por isso Scruton observa que “o papel do Estado é, ou deveria ser, menor do que aquele que os socialistas exigem e maior do que os liberais clássicos permitem”.
Assim, a leitura de Como ser um Conservador introduz o leitor num estilo de vida que visa preservar antes de mudar, melhorar antes de destruir. Ser conservador não é ser retrógrado e reacionário, não é viver preso ao passado, mas o ter como um ponto de apoio para as mudanças necessárias, melhorando aquilo que o tempo mostra que é consistente e confiável mudar.
Para adquirir essas virtudes [frugalidade e altruísmo] devemos restringir o “Raciocínio Instrumental” que governa a vida do homo oeconomicus, Devemos dotar de amor e desejo as coisas às quais atribuímos um valor intrínseco, e não instrumental, de modo que, para nós, a busca dos meios possa cessar no lugar dos fins. p46
“Tolerância não significa renunciar a todas as opiniões que outros podem considerar ofensivas. Não significa um relativismo maleável ou uma crença de que qualquer coisa serve. Ao contrário, significa aceitar o direito dos outros de pensar e agir de um modo que desaprovamos. Significa estar preparado para proteger as pessoas da discriminação negativa, mesmo quando odiamos o que pensam e o que sentem“. p254
Governos Centralizados produzem indivíduos irresponsáveis, e o confisco da sociedade civil pelo Estado leva a uma recusa generalizada dos cidadãos de agirem por vontade própria. p40
“Quando o Direito é fundamentado em um contrato social, portanto, a obediência à lei é simplesmente o outro lado da livre escolha. Liberdade e obediência são equivalentes“.
Conservadorismo é a filosofia do vínculo afetivo. p53
“Nacionalismo, como uma ideologia, é perigoso apenas à medida que as ideologias são perigosas. Ocupa o espaço deixado vago pela religião e, ao fazê-lo, estimula o verdadeiro crente a venerar a ideia nacionalista e a buscar nesta concepção aquilo que ela não pode oferecer – o propósito último da vida, o caminho da redenção e o consolo para todas as aflições“. p56
“A verdade no Socialismo, portanto, aponta para um problema político maior e crescente. Dois aspectos impedem os governos modernos de enfrentá-lo. O primeiro é que essa questão foi politizada, visto que a verdade, muitas vezes, é perigosa para ser exposta e certamente é difícil de agir segundo seus ditames. O segundo é a questão que reside na própria fronteira dos debates sobre a natureza do Estado. p73
“Em suma, o Capitalismo global é, em certos aspectos, menos um exercício em uma economia de livre mercado, em que o custo é aceito por causa de um benefício, do que um tipo de banditismo em que os custos são transferidos para as futuras gerações em troca de uma remuneração no presente momento“. p101
“O Liberalismo tradicional é a visão segundo a qual essa sociedade só é possível caso os membros individuais tenham soberania sobre as próprias vidas – o que significa ser livre tanto para dar quanto para recusar o consentimento em relação a quaisquer relações que possam vir a ser propostas. A soberania individual só existe onde o Estado garante os direitos, tais como o direito à vida, à integridade física e à propriedade, protegendo, desse modo, os cidadãos de violação e coação de terceiros, incluindo da violação e da coação praticadas pelo Estado”. p108
“As novas ideias sobre Direitos Humanos admitem conceder a um grupo direitos que negam a outro grupo: a pessoa tem direitos como membro de algum grupo étnico minoritário ou de uma classe social que não podem ser reivindicados por todos os cidadãos“. p118
“Se os Imigrantes vêm é porque se beneficiam ao vir. É, portanto, razoável lembrá-los de que também há um custo. Só agora, porém, a nossa classe política está preparada para dizê-lo e insistir que o custo seja pago“. p143
“Se os conservadores tivessem de adotar um lema, este deveria ser: “Experimente localmente, pense nacionalmente.” Na atual Crise Ambiental, não existe outro agente diferente do Estado-nação para tomar as medidas cabíveis e não há nenhum outro ponto de convergência de lealdade que lhes garanta aprovação“. p148
“A Globalização não diminuiu o sentimento de nacionalidade: sob a sua influência, as nações tornaram-se os receptáculos preferenciais e primordiais da confiança dos cidadãos e os instrumentos indispensáveis para compreender e desfrutar a nova condição do mundo”. p170
“A verdade no conservadorismo repousa nessas ideias. A Livre Associação nos é necessária não só porque “nenhum homem é uma ilha“, mas porque os valores intrínsecos surgem a partir da cooperação social. Não são impostos por alguma autoridade externa ou incutidos pelo medo. Crescem de baixo para cima por relações de amor, de respeito e de responsabilidade“. p182
“A Amizade é a forma mais elevada que o reconhecimento pode alcançar quando a outra pessoa o valoriza pelo que você é, busca seu conselho e a sua companhia, e vincula a vida dele à sua”. p195
“O Verdadeiro Cidadão está pronto para o seu país nos momentos de necessidade e vê suas instituições militares como uma expressão de vínculo afetivo profundo que mantém as coisas em ordem. A visão política conservadora vê o exército como algo que expressa, de modo independente, a ordem civil existente“. p200
“O Papel do Estado é, ou deveria ser, menor do que aquele que os socialistas exigem e maior do que os liberais clássicos permitem. O Estado tem uma finalidade, que é proteger a sociedade civil dos inimigos externos e das desordens internas“. p203
“A conquista da Civilização Cristã é ter dotada as instituições de autoridade religiosa sem exigir-lhes uma obediência religiosa, em oposição à secular“. p208
“A Ênfase Conservadora nas associações sem propósitos também tem o seu alicerce ideológico: pois é pela renúncia à vontade individual no trabalho da comunidade que aprendemos a humildade e o amor pelo próximo“. p211
“Uma Cultura é uma maneira de transmitir, de geração para geração, o hábito do juízo. Esse hábito de julgamento é vital para o desenvolvimento moral e é o fundamento dos ritos de passagem pelos quais os jovens deixam a fase de adolescência e assumem obrigações na vida adulta. Por isso, uma sociedade sadia requer uma cultura sadia, e assim o é, mesmo que a cultura, como a defino, não seja fruída por muitos, mas por poucos”. p230