Em “Ordem e Progresso”, Christopher Dawson vê na tradição cristã, ou na cosmovisão cristã a verdadeira saída para a questão do enfraquecimento da cristandade face ao secularismo, ao liberalismo católico. Nesta via de fortalecimento da unidade cristã ele fala de um retorno à tradição cristã. Ele escreveu que “o retorno à esta tradição tornaria, uma vez mais, possível reconciliar a existência de independência nacional e de liberdade política, que são partes essenciais da vida europeia, com a unidade mais ampla de nossa civilização e como o processo mais elevado de integração espiritual, que é o verdadeiro objetivo do progresso humano”. O progresso, como sabemos, solapou o cristianismo, mas como veremos em O Julgamento das Nações, a divisão teve outros fatores em que o secularismo apenas encontrou as condições ideias para através do laicismo transformar a ordem santa em uma ordem estatal, estes fatores nasceram no seio da própria Igreja sob o peso daqueles que por motivos contra ou a favor do pensamento cristão, dividiu a Igreja. Aqui Dawson vê tanto no protestantismo quanto nos excessos cometidos pela a Igreja Católica, assim como o alastramento da corrupção e injustiças cometidas por ela.
O Julgamento das Nações leva-nos a refletir que o retorno de Jesus Cristo se dá muitas vezes. A cada vinda ele não desce a espada sobre nossas cabeças, mas sofre por ver que seus filhos, aqueles por quem ele deu a vida, encontra-se na corrupção da alma tanto quanto no passado. A cada cataclismo humano, Jesus Cristo está entre nós não como o que veio julgar mas pedir a Deus por nossas almas. Isso porque na realidade nós é que preparamos o tribunal deste julgamento. É isto que Christopher Dawson tenta nos mostrar. Que o julgamento das nações é o nosso juízo final, talvez não aquele que Cristo virá para separar o joio do trigo, mas o julgamento do homem pelo homem. Nesta triste jornada, Cristo é nosso advogado, rogando ao Deus Pai pela nossa alma. Dawson conclama os cristãos a manter a unidade e constituir uma força nos quatro cantos do mundo, uma cruzada, para restaurar o espírito e a glória da Igreja e através desta trilhar o caminho que nos levará a Deus.
Não obstante, a obra O Julgamento das Nações reflete a preocupação de Christopher Dawson com o destino da humanidade. Ele foi testemunha dos horrores da guerra e foi após 4 anos de observação e reflexão é que ele encontrou a inspiração para a presente obra. Frente ao horror da guerra, muitos homens manifestaram o seu repúdio ao novo domínio sobre os homens: O poder do Estado e a vontade de poder. Dawson foi uma das vozes que naqueles tempos de dor e sofrimento, em que muitos autores escreveram sobre o totalitarismo como o novo deus chamado Estado que assumirá o lugar da cristandade na mente e no corpo das pessoas na Europa Ocidental.
Uma nota importante é que Christopher Dawson não defende nesta obra assim como em “Progresso e Religião” um retorno ao passado medieval, mas um retorno às tradições que foram responsáveis pelos valores que formaram o Ocidente e que de certa forma ajudou nas origens das correntes ideológicas que se puseram contra a Igreja, a começar pela Revolução Francesa, como se verá em todas as suas obras. Depois de 4 anos de um trabalho minuciosos de pesquisas e reflexões, Christopher Dawson conclui, talvez a mais importante das suas obras, O Julgamento das Nações.
Em suas reflexões Christopher Dawson analisou os motivos das divisões que atingiram profundamente a fé e a história do povo cristão e fez ruir o castelo da cristandade. Christopher Dawson concluiu que naqueles tempos de guerra as nações estavam sendo julgadas pela falta da unidade cristã e da perda de suas tradições. O homem quebrara a aliança com Deus e se fizera um pacto com o totalitarismo e seus controles das massas. Foi graças aos avanços da ciência que o homem ousou questionar os desenhos de Deus, pois se tornará autossuficiente e tecnicista ao extremo a ponto de haver uma nítida distância entre a evolução espiritual e a evolução tecnológica nas sociedades modernas seculares. Os valores cristãos foram subvertido e apagaram-se do livro da história a conexão espiritual que nos mantinham ligados a Deus. Teríamos perdido a nossa identidade cristã? Não encontramos resposta a esta questão em O Julgamento das Nações, mas podemos suspeitar de que sem as tradições cristãs perdemos os valores cristãos e sem esses não conseguiremos manter a unidade que nos permite uma identidade, aquela formada pelas lições de Cristo enraizadas em nossa cultura ocidental.
O Julgamento das Nações retrata está epopeia do homem em busca da sua extinção e escravidão através da ascensão do totalitarismo. Mas há também um clamor para que os cristãos não permitam erosão da construção da cristandade. É uma convocação para a batalha entre as forças do bem, representada na constituição da fé cristã, contra o secularismo e o totalitarismo, que pelo menos há trezentos anos esvazia o homem retirando Deus do seu interior e colocando o novo deus, o Estado. Para isso não é necessário mais uma cruzada contra o progresso, contra a perda do compromisso com a cristandade, contra a comunhão que existe entre nós cristãos. Contra a força do mal que fazem com que esqueçamos os ensinamentos de Cristo e nos encontremos por aqueles que se põe no lugar de Deus, somente o fortalecimento da cristandade através do resgate das suas tradições e que se formará o exército cujas espadas descerá sobre as cabeças das serpentes que governam o mundo, liberando o homem da escravidão em que se encontra a sua alma. Essa é uma batalha do indivíduo contra as forças satânicas que ganharam outras formas e se tornaram poderosas. Como o autor observa em seu livro, períodos de grandes conflitos indicam que estamos sendo julgados por Deus. Quando o livro foi publicado em 1942 o mundo estava subjugado às forças do mal. Não foi uma derrota de Deus mas do homem. Mas foi um julgamento de Deus.
A ciência dá ao homem um poder quase ilimitado. O intelecto humano e a sua capacidade imaginativa ao manipular a ciência, venceu a natureza, dobrou suas forças, penetrou nos seus mistérios e revelou os seus segredos. Ao controlar as forças micro e macro do universo o homem perdeu o controle sobre si e tornou-se soberbo, prepotente, vaidoso e narcisista. Não satisfeito de ser a semelhança do criador, acredita ser o próprio criador. Entretanto todo este poder não consegue ser o consolo da sua alma. Há um vazio terrível e o abismo separa o homem da sua felicidade. Christopher Dawson acredita que a ciência não resolve todos os problemas. Aqueles que são os problemas da alma não há nada que a ciência pode fazer isto porque como afirma Dawson a ciência tornou-se serva do poder. “Os problemas não podem ser resolvidos somente pelo poder, nem poder ser resolvidos pela ciência, já que a ciência se tornou serva do poder” escreveu Christopher Dawson. Ele nos ensina que “Nosso poder é a nossa destruição, e o mundo está embriagado e envenenado pelo poder”. Este poder se manifesta sob a forma de uma força opressiva que suga a energia do indivíduo através da propagação das suas ideologias. Então como resolver os problemas da alma sem a corrupção do poder. Só tem uma forma, que através do fortalecimento da cristandade. Para Dawson sem os princípios religiosos que norteiam a ação humana, este mergulha na escuridão e se agarrar as mais promessas de uma vida material plena de tal forma que “quando a moralidade é privada dos fundamentos religiosos e metafísicas, inevitavelmente, subordina-se a fins mais inferiores; e quando os fins são negativos, como na revolução em na guerra, toda a escala de valores morais se reveste” escreveu Christopher Dawson.
Christopher Dawson nos avisa que “o traço mais tipo do sistema totalitário contra o qual lutamos é a pretensão de controlar a mente dos homens, bem como seus corpos, e, para reforçar tal reivindicação, mobiliza todos os recursos da nova magia negra do sugestionamento das massas e propaganda“.
“E importante, portanto, distinguir dois rolamentos na reação moderna à democracia liberal. Há a reação que surgiu da própria democracia como resultado do progresso da organização humana e da mecanização da nossa cultura que destruiu as bases econômicas e social do individualismo liberal e, em segundo lugar, há a reação nacional daqueles países que não possuíam tradição democrática nativas e que aceitaram as ideias liberais como parte da cultura material da Europa Ocidental, que consideravam não ser só símbolo de progresso, mas também de exploração estrangeira.”
“A democracia ocidental não luta só uma batalha em duas frentes com o totalitarismo rivais de direita espiritual de esquerda. Esta, ao mesmo tempo, sendo minada por dentro, por um processo de desintegração que é esgota a vitalidade e enfraquece o nosso poder de resistência.”
“O grande problema que o estado democrático tem que resolver é como conciliar as necessidades das organizações de massa e impuser mecanizado, que rico trabalho a expressão extrema na guerra total, com os princípios da liberdade, justiça e humanidade das quais deriva sua força espiritual.”
“A democracia não será destruída nem pela derrota militar e nem pela disciplina e organização que tem de se impor para obter a vitória, se puder manter o seu valor espiritual e preservar-se dos perigos da desmoralização e da desintegração.”
No livro “Do Liberalismo à Apostasia”, Monsenhor Marcel Lefebrev mostrou como o liberalismo infiltrado no seio da Santa Igreja subverteu os princípios dogmáticos da fé católica, secularizado o pensamento católico a práxis progressistas. Em O julgamento das Nações, Christopher Dawson faz uma análise que mostra o quanto de fato o pensamento liberal trouxe prejuízo para a Igreja Católica. Primeiro Christopher Dawson estabelece distinções para o significado do liberalismo, são diferentes o liberalismo como tradição, pautado nas raízes da história inglesa e americana. Por outro lado, há o liberalismo compreendido como partidos políticos que sob a tradição liberal norteiam-se política e socialmente através do liberalismo como ideologia. Estas três vertentes vão aos poucos provocar profundas transformações na cristandade. Talvez o fracasso do liberalismo no seio da cristandade, que apesar de ter em seus fundamentos princípios cristãos, se deve a uma perda de significado diante dos interesses e conflitos. Christopher Dawson assevera que “o fracasso do liberalismo ao longo do último século se deveu, sobretudo, ao fracasso dos partidos liberais em dar uma expressão adequada a essa ideologia e tradição social ainda mais profunda que lhe subjaz“
As forças totalitárias, inimigas de qualquer ideia de liberdade, pode se valer desta para influenciar e desviar pessoas das suas crenças e valores, oferecendo uma visão distorcida da ideia de liberdade e igualdade a tal ponto que os valores cristãos que deram base para o pensamento filosófico liberal, sofre mutações a serviço de déspotas, que não se preocupa com o destino do indivíduo e muito menos com a sua salvação.
“Hoje, o inimigo não é o liberalismo humanitário, que é a espécie de versão secularizada do idealismo moral cristão. É um poder que espécies esmaga aos pés todo os direitos espécies esmaga ideais humanos.”
É por isso que Dawson convida os cristãos à defesa dos valores tradicionais cristãs com uma certa urgência pois ele entende que “a necessidade transcende a política e demanda nada menos que uma reorientação espiritual da sociedade ocidental e a recordação dos valores essenciais que devem ser preservados a todo custo, apesar das mudanças revolucionárias que destruíram os fundamentos do antigo individualismo liberal” e conclui “o essencial é antigo juntar o nosso pensamento às novas condições; ver o que está vivo e o que está morto na tradição ocidental e perceber que a imensidão de novas capacidades que o homem adquiriu durante a última metade de século pode ser usada a serviço da liberdade de maneira tão fácil quanto foi usada para destrui-la“.
A secularização foi o processo pelo qual o homem dominou as forças da natureza e se tornou dono do mundo. A cultura sem uma sustentação cristã, sem o apoio de Deus, não encontra meios para acompanhar o progresso fazendo da ciência um alicerce de fortalecimento da religião. Neste sentido, no capítulo 6, A Secularização da Cultura Ocidental, demonstra que a perda da unidade cristã teve um impacto direto na formação cultural do Ocidente. “A causa principal da secularização da cultura ocidental foi a perda da unidade cristã” sustenta Christopher Dawson, e que, portanto, sem esta unidade acarreta a dissolução da comunidade e a perda da cidadania espiritual, “dessa forma surgiu uma nova cultura liberal humanitária que representa um estágio intermediário entre a unidade religiosa da cristandade e o mundo totalmente secularizado”. Neste sentido o liberalismo, sugere, Christopher Dawson, foi de certa forma o fundamento da cultura. Ele escreve “O fato de a cultura liberal ter sido fundamentada nos valores morais cristãos a tornou acessível às influências religiosas, mesmo numa época secular”.
A restauração de uma ordem cristã e a forma que Christopher Dawson propõe para a questão da secularização da cultura ocidental. Como isto deve ser feito é através de uma alternativa, o planejamento social. Mas isso precisa de cuidados. Christopher Dawson argumenta que “se aceitarmos o princípio do planejamento social se baixo para cima, sem menção aos valores espirituais, ficamos com a cultura de máquina”, dito de outra forma, qualquer que seja o planejamento que pretenda um ordenamento social deve ser baseado nos valores espirituais, para não corremos o risco ficarmos a serviço do progresso materialista.
É aqui que liberalismo é uma faca de dois gumes, pois mediante seu expediente, é na religião e cultura que ele causará a divisão. Christopher Dawson adverte que “o liberalismo abriu caminho para a completa secularização da sociedade ao realizar uma nítida divisão entre o mundo público da economia e da política e o mundo é o mundo privado da religião e da cultura intelectual”. pg171 Desta forma Christopher Dawson sustenta que “a única maneira de dessecularizar a cultura é dota-la de um propósito espiritual para todo o sistema de organização, de modo que a máquina de torne serva do espírito, e não a sua inimiga ou mestra”. pg175
No capítulo Os Princípios Sociais Cristã, Christopher Dawson orienta que o mistério da salvação consiste na incorporação do homem na unidade orgânica do corpo divino. Jesus disse este é o meu sangue, este é o meu corpo e neste instante uma nova aliança era estabelecida entre o Filho de Deus e o seu rebanho. Nisto consiste a salvação de toda a carne, sem o pecado. Christopher Dawson supõe que está seja a essência da doutrina cristã sobre a natureza do homem e seu destino. Se assim o for, então Christopher Dawson que assim estará determinada a concepção cristã de história e de ordem social.
O que vemos hoje, esclarece Christopher Dawson, “não é o colapso da cultura tradicional do cristianismo, é a catástrofe da cultura secular que a substituiu“. E porque recai sobre o secularismo a responsabilidade do afundamento da cultura? Christopher Dawson responde que isto ocorreu por esta doutrina não poder responder aos anseios mais profundos da humanidade. Ele acredita que “o liberalismo fomentou um vácuo espiritual, um coração de trevas e caos sob afundamentos ordem mecânica e eu inteligência cientificando mundo moderno”.
A lei da natureza oferece os meios para a cosmovisão cristã. Christopher Dawson mostra tudo está subordinado à ordem divina. Este é um princípio fundamental e basilar da doutrina cristã. Desta forma Christopher Dawson infere tudo está subordinado às duas vertentes. Primeiro “ao fato de acreditarmos na existência de uma ordem espiritual da qual o homem é naturalmente consciente pelo conhecimento do bem e do mal”, segundo, “que o mundo transporte às cegas, guiado por forças irracionais às quais o homem deve servir se quiser sobreviver”
“Assim, a aparente apostasia da cristandade e as catástrofes políticas que se seguiram não destroem a possibilidade de restauração. Podem até mesmo preparar o caminho para derrubar as muralhas e as torres que o homem construiu como refúgio de seu egoísmo a fortaleza de seu orgulho.”
“Deus não só rege a história, ele intervém como ator na história, e o mistério da redenção divina é a chave de Sua ação criativa.”
“O verdadeiro sentido daquilo que chamamos de totalitarismo e Estado totalitário é o controle total de todas as atividades humanas e todas as energias humana, espirituais bem como físicas, pelo Estado, e o direcionamento para quaisquer fins é ditado por seus interesses, ou melhor, os interesses do partido dirigente ou camarilha.”
“Portanto a Igreja deve, mais uma vez, assumir seu ofício profético e testemunhar a Palavra, mesmo se isso representar o julgamento das nações e uma guerra aberta contra os poderes deste mundo”
“Igualmente, os cristãos fracassaram em perceber como os fundamentos morais do mundo foram abalados e como era necessário um esforço tremendo para salvar a humanidade da profundidade insondável do niilismo da desintegração espiritual.”
“Se o homem comum está preparado para suportar tudo, como o fez, por esforçasse fé obscuramente sentida, mas real, o cristão está obrigado pela fé e honra a fazer nada menos do que isso no conflito espiritual que se esconde por trás da batalha das nações e a testemunhar testemunhará palavra de Deus a qualquer custo.”