Na economia moderna, especificamente a do século XX, dois nomes fizeram história por suas teorias econômicas. Mais que um debate entre duas grandes escolas economia (Escola de Chicago e a Escola Austríaco), John Maynard Keynes (1883-1946) e Friedrich August von Hayek (1899-1992) foram responsáveis por teorias econômicas que na prática causaram tantas transformações no desenvolvimento da economia no mundo. Afirmar de fato quem fez melhor para a economia é difícil, apontar quem venceu os debates, tão difícil quanto. Mas, certamente suas teorias estão imortalizadas nos anais das ciências econômicas, e de certa forma, o que o mundo alcançou em termos de desenvolvimento econômico deve-se a esses dois gigantes do pensamento econômico. Suas contribuições, neste sentido, foram imensuráveis. O jornalista americano Nicholas Wapshott, escreveu um interessante livro sobre esta contenda do século. Em sua obra Keynes x Hayek as ideias econômicas de ambos personagens são analisadas, mostrando os seus acertos e falhas. É um minucioso estudo sobre as teorias econômicas desses dois consagrados economistas, evidenciando não só as aplicações das suas teorias, como também descrevendo as diferenças e similaridades de caráter de dois homens de extrema inteligência e determinação. Na presente obra, o autor nos apresenta as origens e o legado deixado pelo maior duelo na história da economia. Superior até mesmo a outros debates protagonizados por Thomas Malthus (1766-1834) e David Ricardo (1772-1823) no século XVII.
Ambos foram rivais, mas cada um ao seu modo e ao seu tempo inspirou jovens economistas de ambas correntes. Eles deixaram um imenso legado. Por um lado, estavam os keynesianos, aqueles que defendiam as ideias de John Maynard Keynes de que o governo deveria intervir sempre na economia, daí o intervencionismo. Por outro lado, os hayekianos, seguidores da doutrina econômica de Friedrich August von Hayek, adeptos da liberdade econômica, que acreditavam que o mercado tinha que ser totalmente livre para seguir seu curso através das trocas voluntárias e que ao fazer o bem a si próprio terá reflexo positivos na vida de todos uma vez que as pessoas precisam uma das outras, ou em outras palavras, a riqueza individual proporcionará bem-estar para a maioria, de uma maneira ou outra. Estas duas correntes de pensamento econômico vão, por mais de três décadas, ser responsáveis pelo sucesso e pelo fracasso da economia em todo o mundo. Por conseguinte, eles deixarão teorias econômicas que serão de grande valia para um mundo globalizado e em constante mudanças.
O autor mostra que foi o crash de 1929 que colocou o mundo à beira da ruína. Por outro lado, a tragédia econômica que atingiu profundamente a vida da maioria das pessoas no globo terrestre criou os meios e deu oportunidades para Keynes e Hayek apresentarem e testarem, na prática, suas ideias e teorias. “No novo terrível clima de desesperança e desespero, John Maynard Keynes , o otimista, estava apto para oferecer uma saída nova e clara do atoleiro, enquanto Friedrich August von Hayek , o pessimista, deveria construir um argumento para justificar por que todas as tentativas de arrumar o sistema eram inúteis”, explica o Nicholas Wapshott, autor do livro Keynes x Hayek, talvez dos mais importantes trabalho sobre o antagonismo nas ideias econômicas entre esses dois gigantes.
Claramente, Keynes acreditava que a solução para resolver a crise econômica de 1929 estava na intromissão do governo, que criando empregos como medidas para deter a inflação levaria ao controle da inflação e a consequente retomada do crescimento econômicos, medidas que oponentes chamavam de economia planificada e socialistas. Em contrapartida, Hayek acreditava que o momento do crash de 1929 era uma dificuldade normal e que, através de mecanismo naturais, a economia tende a se recuperar. Ambos acusavam a doutrina do outro como a única responsável pela catástrofe econômica que se instalou naquela época, reequilibrando as suas forças. É óbvio que tanto para os especialistas quanto para os leigos, as ideias de Keynes eram bem mais simpáticas do que as de Hayek, pois o assistencialismo é evidente e necessário, visto que as pessoas se encontravam falidas e precisando de suprimentos básicos para sobreviver. Por outro lado, a ideia de Hayek não ganhou a simpatia do povo americano porque deixava as pessoas entregues à própria sorte e ao sabor das variações da economia num momento em que estavam precisando de ajuda para viver dignamente, afinal, para aqueles que estavam preste a perder ou perdeu tudo e para quem estava desempregado não lhes parecia uma boa ideia esperar que o mercado econômico, por sua própria sorte, voltasse a prosperar. Sendo assim, as ideias para recuperação econômica de Keynes pareciam melhores, ou seja, esperar que o governo fizesse algo rápido para a recuperação da economia e injetáveis dinheiro nas empresas e nos bolsos das pessoas através de programas de auxílios. Esta ideia não só era simpática ao leigo, mas sobretudo aos governantes, que viam nesta situação uma oportunidade para suas agendas de poder. Assim os meios para a revolução keynesiana, nas palavras do autor, estão estabelecidos, jogando ceticismo sobre as teorias de Friedrich August von Hayek.
Na prática, os sistemas econômicos propostos por cada um, alternaram-se no domínio da economia nos EUA e na Inglaterra, bem como no ocidente. Atuou muito fortemente nos Estados Unidos sendo um alicerce para o New Deal de Frank Delano Roosevelt. Deste , até o início do governo de Ronald Reagan, foram as teses de Keynes que imperaram na economia americana, isto independente das visões políticas dos democratas ou republicanos. Todos de alguma forma fizeram uso dos programas de John Maynard Keynes e mostraram por estes uma certa simpatia, explica o autor. Todavia, para alguns defensores do capitalismo Keynes apenas encontrou uma forma sorrateira de apoiar as ideias comunistas e que a curto prazo os custos de uma economia planificada se revelaria com hiperinflação.
Durante 30 anos Keynes esteve à frente das maiores economias do mundo utilizando-se das suas teorias para tirar os EUA da recessão e depressão causadas pela guerra e pelo crash de 1929. Neste período que vai de 1946 a 1980, John Keynes foi admirado como a mente mais brilhante que ajudou o então presidente americano Roosevelt a tirar os EUA da mais séria crise econômica de todos os tempos. A partir daí, um excelente laboratório para testar as suas teorias e que se mostraram eficientes com bons resultados, alavancou a figura do Keynes como o americano mais importante do mundo a ponto de a sua doutrina econômica se transformar em ideologia, o keynesianismo. Por outro lado, a corrente de Hayek lutava para se firmar com as teorias com origem na Escola Austríaca de Economia e as suas próprias. Ao contrário do que ele esperava, as ideias de Keynes se mostraram eficientes e pareciam ter reequilibrado a economia. A diferença marcante entre as personalidades de cada um dos contendores, definirá qual doutrina se manterá em evidência por mais tempo. Com efeito, após muitos debates e muitas obras escritas, Hayek só conseguiu mostrar a força da sua teoria após a crise que se instalará no final dos anos 1980, quando pode mostrar ao mundo que as suas ideias eram melhores que as de Keynes e que as dificuldades que a economia dos Estados Unidos era fruto das medidas desastrosas do cidadão Keynes. Hayek se afasta no do sucesso de Keynes e só retorna ao palco a partir de 1963 e atinge o apogeu nos governos de Thatcher e Reagan, momento em que os conservadores mostravam para o mundo a face do socialismo e suas consequências, sobretudo para a economia. Foi o pior momento para Keynes. Mas foi Milton Friedman, o controverso pupilo de Hayek, que de fato foi a mola propulsora para as ideias de Hayek. Este pregava o lema do seu mestre e afirmava que “seja qual for a análise econômica, é provável que a ditadura benevolente leve mais cedo ou mais tarde a uma sociedade totalitária” e neste sentido Friedrich Hayek acertará. O autor descreve que a batalha entre os dois blocos de ideias, que ele chama de economistas de água doce entre o de água salgada, período que dura de 1989 até 2008 com predominância de Friedrich Hayek consolidada pelos acontecimentos que abalaram o mundo como a queda do muro de Berlim e da URSS, sistematicamente encontradas nas advertências de Friedrich Hayek. Era o retorno e hegemonia do pensamento e atitude do livre mercado, cujo forte golpe, voltaria a ser desferido no seio do capitalismo em 2008. Maynard Keynes não se considerava socialista, aliás ele alertou as autoridades no Tratado de Versalhes sobre as consequências da imposição de pesadas taxas cobradas aos perdedores da primeira guerra mundial. Hayek, por seu turno, era um antissocialista convicto. Esta oposição fica clara em suas famosas obras “O Caminho da Servidão” e “Os erros Fatais do Socialismo” em que Hayek faz ataques frontais ao sistema socialista, mostrando quanto ele tem de falácias. Inclusive ele fez duras críticas ao marxismo como se pode ver nos seus comentários revelados pelo autor: “como uma doutrina tão ilógica e obtusa podia ter exercido influência tão poderosa e prolongada sobre as mentes dos homens”.
Ainda assim, apesar do sucesso no período Reagan, Hayek, com o seu estilo pragmático e com suas teorias que defendia soluções para os problemas da economia, era muito difícil de encontrar eco entre uma boa parte dos políticos, principalmente entre os democratas, e dos empresários que confiavam no governo para assisti-los nos momentos difíceis, porque diferente de Keynes, Hayek entendia que a economia teria sempre o seu mecanismo próprio de regulação e que embora muitos pagassem um preço alto numa recessão econômica, com o tempo, está se recuperaria através dos seus próprios mecanismos. Por outro lado, Keynes, acreditava que a melhor forma de combater o desemprego na recessão era o governo atuando fortemente na criação de empregos através de grandes obras públicas. Foram estas teorias que por diversas vezes, grandes nações, atuando sob a orientação direta de Keynes, venceram a recessão proporcionando grande desenvolvimento econômico. Entretanto, o fracasso de John Maynard Keynes não estava na sua teoria, mas naquilo que Friedrich Hayek alertará, que foi o uso abusivo dos dispositivos recuperação econômica criados por John Maynard Keynes, este se encontrava na ambição dos governantes, pois o que era um remédio temporário para tirar o país da crise econômica, logo virou passaporte político. O próprio Keynes alertou para o uso abusivo do expediente, segundo Wapshott. Pragmático, Keynes acreditava que de uma forma ou de outra a solução dos problemas econômicos só podem ser resolvidos com uma visão macro e que somente uma economia com seus parâmetros voltados para o social teria a eficiência pretendida. Suas críticas eram claras à economia voltada para o indivíduo, portanto, uma oposição às ideias de Hayek. Ele assevera que “a experiência nos mostra que os indivíduos, quando constituem uma unidade social, são sempre menos perspicazes do que quando agem separadamente”. É com base nestes princípios que Keynes pensará a macroeconomia. Já Hayek pensava além das medidas dos cálculos econômicos socialistas e dizia que esta não explicava como a economia funcionava. Ele argumentava, mostra o autor, que “a chave verdadeira para compreender a atividade econômica, eram as escolhas que os indivíduos faziam, que eram tantas e tão diversificadas, que não podiam ser facilmente mensuradas“. Este raciocínio brotou da inspiração em seu mestre Mises e faz parte dos fundamentos da Escola Austríaca. O autor explica que para Hayek “muito mais reveladoras, eram as miríades de preços diferentes acordadas em incontáveis transações individuais que, juntas, compõem a economia”. O autor exemplifica que não havia caminho fácil para sair de uma crise econômica e que para Hayek, a longo prazo, o livre mercado iria restaurar uma economia ao ponto onde todos estariam empregados. Uma pessoa desempregada, certamente, não concordaria com esta asserção.
A intervenção do Estado na economia nunca foi de fato uma boa ideia, pois sabemos o quanto a burocracia estatal é capaz de criar entraves para o desenvolvimento econômico. Por outro lado, a liberdade econômica representa também um grande risco quando esta se encontra navegando no vento livre do mercado. Hoje em tempos de bitcoin e com a globalização os riscos de crash mais profundos e devastadores que foram o de 1929 e de 2008 se mostram ameaçadoramente. O sistema financeiro não é mais local e sim global. De certo modo, sem a intervenção do governo para controlar os excessos, o livre mercado pode ser tão maléfico quanto o excesso de controle do governo. Keynes x Hayek leva-nos a reflexão sobre o legado deixado por estes dois pensadores da economia. É impossível imaginar uma nação economicamente viável num sistema invasivo como é no intervencionismo. Do mesmo modo, é inconcebível qualquer proposta de uma liberdade total do mercado econômica. O primeiro por ser uma trava ao desenvolvimento econômico pela burocracia, corrupção, falta de inovação e a dificuldade de empreender sob tantas regras e restrições. O segundo pelo fato de não haver nenhum mecanismo regulador, deixando ao livre-arbítrio econômico a decisão de que direção a economia deve tomar para resolver os seus próprios problemas. Neste sentido, talvez seja necessário uma nova saída, com ações que tragam não só segurança, mas a garantia de proteção da propriedade individual de um lado e o crescimento econômico com vista no social.
Como um estudo biográfico destes dois gigantes, a obra acrescenta uma série de elementos que denotam bem a natureza de ambos, fontes de suas inspirações que de certa forma deram origens às suas teorias econômicas. Suas bibliografias expressam o vigor intelectual com que ambos se lançavam na defesa das suas ideias. Vale notar que o presente livro traz explicações simplificadas das teorias econômicas desenhadas pelos dois gigantes que auxiliam os leigos na introdução dos complexos mecanismos que põem a vigorosa engrenagem da máquina econômica para funcionar. O autor escreve que “ao levar o ataque intelectual ao laissez-faire, Maynard Keynes foi muito além das fronteiras da teoria econômica, que era ainda menos entendida popularmente do que é hoje, em relação às ideias de como assegurar que os indivíduos desfrutassem a máxima felicidade”. O autor explica que, “Maynard Keynes acreditava que era dever do governo fazer o que pudesse para tornar a vida mais fácil, particularmente para os desempregados” Isto evidencia o caráter de urgência com que Maynard Keynes pretendia resolver os problemas econômicos. Por outro lado, “Hayek acreditava ser inútil os governos interferirem com forças que eram, a seu modo, tão imutáveis quanto as forças naturais”. O fato é que a despeito das agressões verbais protagonizadas por ambos os lados, ambos deixaram importantes lições para as novas gerações de economistas. Esta obra visa introduzir os leigos e os especialistas nos pensamentos econômicos destes dois gigantes. A sua leitura, entendo como essencial para compreender os fenômenos econômicos do século XXI e estabelecer um pensamento para ambos, nas próximas gerações. Neste debate não há vencedores, porém quem ganha é a humanidade a partir do momento em que o conflito de ideias abre espaço para o nascimento de ideias convergentes, de maneira que tende-se mais para encontrar o modelo econômico ideal, justo para todos e sustentável.