Um belo dia você acorda e fica sabendo que naquele dia ninguém morreu. Nenhuma das almas já encomendadas deixou o seu casulo.
Imagine que maravilha saber que agora você viverá (em carne e osso) para sempre.
E se isso acontecer, imagine os problemas que surgiriam com as pessoas em seus leitos de morte, eternamente moribundas, aguardando uma morte que não vem. Imagine os problemas sociais, como populações que crescem sem parar e ninguém morre e a promessa do paraíso pós-morte que nunca virá se um dia a morte se aposentar. Se nós não morrêssemos, viver seria um grande problema, pelo menos é o que escreve José Saramago em “As Intermitências da Morte“.
Com humor e leveza Saramago, faz uma sátira a morte e a vida eterna, mostrando que o fim da morte seria o fim do homem e da sociedade em que este se encontra. Dito de outra forma: sem a morte não há vida para ser vivida.
Um exemplo dos grandes problemas apontados por Saramago sobre o fim da morte é comentado no livro pelo clero e o primeiro-ministro em que o primeiro chama a atenção da autoridade sobre a preocupação que este tem que sem a morte não há paraíso e sem paraíso não há igreja, porque não haverá ninguém para salvar. Esta é também a visão crítica de Saramago de que toda essência da religião se firma na morte.
Para alcançar o paraíso é preciso morrer e o caminho que leva a morte que salva é a religião.
Mas a reflexão que o livro propõem vai além das questões religiosas e mostra que a morte tem um poderoso papel social. Ela é a condição humana que determina que para sermos humanos, precisamos morrer, posto que tudo o que somos e pensamos, a morte é o referencial, a medida de tudo. Vivemos intensamente, pois sabemos que vamos morrer e isto é sabido desde o momento que temos a consciência do que somos. Apenas os humanos são capazes de ter a percepção da morte, pelo menos é o que diz ciência. Mas todos os seres vivos precisam do ciclo de vida e morte, pois caso contrário não seríamos seres vivos.
Continuando com a estoria do livro. Quando todos já estavam acostumados com idéia de viver eternamente, quando as pessoas já não dava importância ao relógio, eis que a morte dá a notícia que todos voltariam morrer e que tudo não passou de um teste para que todos soubessem o quanto era difícil viver sem a morte. A população entra em polvorosa, e a sociedade se coloca preste a afundar no caos novamente.
Saramago de uma forma divertida lança uma análise da sociedade politica, econômica e social do ponto de vista de um povo que não morre nunca, mas que ao se tornar eterno, morre todos os dias como ser humano ao expor sua natureza egoísta diante de uma nova vida.
Enfim vale o diálogo no livro entre o aprendiz de filósofo e o “poço de água” como é indissociável a morte da vida.
“Antes, no tempo em que se morria, nas poucas vezes que me encontrei diante de pessoas que haviam falecido, nunca imaginei que a morte delas fosse a mesma que eu um dia viria a morrer. Porque cada um de vós tem sua própria morte, transporta-a consigo num luga secreto desde que nasceu, ela pertence-te, tu pertences-lhe.”
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